Aplicativo que mapeia caminho por áudio oferece uma mão guia

Tali Sarnetzky não sai de seu apartamento a menos que tenha planejado sua viagem com detalhes meticulosos. Cega desde que foi diagnosticada com uma forma rara de câncer de olho aos 3 anos de idade, ela precisa criar um mapa mental de onde está indo antes de se sentir confiante o suficiente para sair. Cada passeio que Sarnetzky, de 45 anos, faz requer uma preparação cuidadosa.

“É como reunir informações”, diz ela. “Preciso obter o máximo de informações possível sobre o lugar para onde estou indo.”

Mesmo quando ela tem uma descrição detalhada da jornada e o mapa de seu destino, Sarnetzky ainda conta com “a gentileza de estranhos” e pede ajuda quando não está claro onde ela está.

Nos últimos meses, no entanto, a vida mudou para Sarnetzky, que é uma secretária de meio período que mora em Ra’anana, a cerca de 16 quilômetros ao norte de Tel Aviv, no centro de Israel. Ela se mudou para seu próprio apartamento, planeja explorar mais seu novo bairro e espera começar os estudos em uma faculdade local.

Sua coragem foi reforçada por um aplicativo gratuito em seu smartphone. RightHear é uma nova tecnologia de localização desenvolvida por uma startup local que ajuda pessoas com desafios de orientação a navegar dentro de edifícios. Por meio de uma rede de beacons, pequenos sensores em rede, os usuários de aplicativos cegos ou com baixa visão, ou com dislexia ou agorafobia, podem receber dicas em áudio e detalhes sobre locais específicos do ambiente. Mais de 100.000 pessoas globalmente usam o aplicativo em 2.000 locais, incluindo shoppings, prédios municipais, restaurantes e até mesmo o parlamento de Israel, o Knesset. Também está sendo testado nos campus da Microsoft em Tel Aviv e Herzliya.

O aplicativo atua como um guia invisível, fornecendo detalhes e distância até os serviços próximos, como elevadores, banheiros, saídas, lojas, escritórios e outros locais. Os sensores são direcionais e se orientam de acordo com a direção para onde o telefone está apontado, além de terem fácil conexão com os serviços de emergência.

“Foi maravilhoso”, disse Sarnetzky sobre a primeira vez que usou o aplicativo. “O que você faria com seus olhos, está realmente sendo feito com seu telefone. Isso torna muito mais fácil sair de casa e ir a algum lugar quando você sabe que existem maneiras de se locomover sozinho.”

Ouça outros usuários do RightHear sobre como o aplicativo impactou suas rotinas diárias:

Achados e perdidos

O RightHear faz parte de uma nova geração de recursos de acessibilidade digital que está aproveitando a tecnologia de conexão para melhorar a vida de 1 bilhão de pessoas que, segundo estimativas do Banco Mundial, vivem com pelo menos uma deficiência.

Como parte do Programa de Aceleração AI for Good da Microsoft, que ajuda startups em Israel a impulsionar suas soluções de inteligência artificial (IA) e ajudou a acelerar o desenvolvimento e a comercialização do aplicativo, o RightHear pode ser programado para 26 idiomas. Ele foi desenvolvido para se integrar com outras tecnologias de assistência, incluindo o Seeing AI da Microsoft. Idan Meir, co-desenvolvedor da RightHear, espera adicionar conectividade com outros aplicativos em breve, incluindo sistemas de navegação para guiar os usuários com segurança na rua.

Raz Bachar, diretor-geral do Microsoft for Startups em Israel, trouxe o RightHear para o programa, que fornece suporte incluindo orientação, consultoria comercial e técnica, bem como recursos para preparar os produtos dos participantes para o mercado. Bachar viu o potencial do aplicativo depois que ele recebeu o prêmio Bootstrap Startup do Ano da Geektime, que ele descreve como o “Oscar das startups”.

“Existem tantas startups incríveis em Israel, mas aquela que faz você querer ir além e apoiá-las é aquela com fundadores que têm paixão pelos serviços que prestam, aqueles que interagem com você – é isso que nós vimos no RightHear”, diz Bachar.

Sinalização do RightHear no escritório da Microsoft em Israel.

“Eles não só foram capazes de aproveitar a oportunidade do programa AI for Good, como também aproveitaram nossos AI Azure Cognitive Services”, acrescenta. “Eles têm uma solução única para uma grande necessidade de acessibilidade, que se alinha com o investimento da Microsoft neste ecossistema.”

Empresas estão aproveitando essa adaptabilidade para conectar às suas próprias plataformas digitais de acessibilidade. O McDonald’s, por exemplo, instalou a RightHear nos 200 restaurantes em Israel. Ele se conecta a outros recursos visuais na loja, como recursos de ampliação em terminais de pedidos que possuem telas de “baixa visibilidade”, para que os clientes em cadeiras de rodas possam acessar. O RightHear indica onde os balcões, banheiros e outros serviços estão localizados.

“Por sermos uma empresa cujos pedidos são feitos principalmente por meio de plataformas digitais, ficamos impressionados com a tecnologia, que é inteligente, simples e fácil de usar”, disse Eyal Padan, chefe de marketing digital do McDonald’s em Israel.

O RightHear foi construído após consultar pessoas cegas ou com baixa visão, mas a ideia inicial veio de um desafio diferente enfrentado por Meir. Ele e o parceiro de negócios Gil Elgrably descobriram a tecnologia iBeacon, que dá à RightHear os recursos de localização há sete anos, mas não tinham certeza de como ela poderia ser usada de forma benéfica. Ao explorar ideias, eles testaram a utilidade dos beacons em uma variedade de espaços públicos. Mas eles perderam muito tempo tentando se encontrar primeiro.

“Eu sempre me perco, aonde quer que eu vá – isso faz parte da minha vida”, Meir explica com uma risada envergonhada. “Às vezes, Gil está de um lado de um shopping e eu do outro, e levamos uma hora só para nos encontrarmos.”

A habilidade de Meir de se perder até mesmo em sua cidade natal o fez pensar sobre as dificuldades enfrentadas por pessoas que vivem permanentemente com receio de se deslocar pelo seu entorno. Meir e Elgrably, que também moram em Ra’anana, não haviam pensado em criar um aplicativo de acessibilidade inicialmente, eles consideravam a incorporação da tecnologia em um aplicativo de cupons de compras. Mas para Meir faltava alguma coisa no conceito. Como empreendedores voltados para a tecnologia, eles simplesmente queriam colocar um novo produto em funcionamento.

A experiência de desenvolver o RightHear foi engrandecedora para eles, iluminando questões sobre locomoção que eles não haviam considerado antes. Isso foi impulsionado quando a pandemia da COVID-19 se aproximou com seu potencial de fatalidade.

“Queríamos fazer algo mais significativo, mais objetivo, mais impactante”, disse Meir, de 34 anos, pai de dois filhos.

Karina Murninkas, usuária do RightHear.

A dupla entrou em contato com grupos de deficientes em Ra’anana para entender como a tecnologia poderia ser mais bem aproveitada e se conectou com membros da comunidade de cegos e deficientes visuais em sua área local. Sarnetzky estava entre eles.

“Gil me ligou e então ele literalmente me interrogou”, ela brinca. “Levou uma hora e meia. O que eu preferiria – distâncias em metros ou em pés? O que seria mais conveniente para mim – se contássemos os passos ou não contássemos os passos? Eles aplicaram cada coisa que eu sugeri.”

A partir dessa pesquisa, um protótipo foi construído no Microsoft Azure e pilotado em um museu local. Beacons foram espalhados por toda a instalação, ligados em rede e programados para destacar pontos de interesse e serviços importantes por meio de um painel de controle digital. Os usuários do teste foram solicitados a experimentá-lo. O feedback não foi apenas positivo, mas também impregnado de significado emocional.

A inteligência artificial por trás da tecnologia funcionou bem. Quando os beacons do tamanho de uma caixa de fósforos eram colocados em posições estratégicas, eles se conectavam para criar uma realidade aumentada dentro da qual coisas físicas poderiam ser localizadas. Os usuários podem fazer login e receber instruções de orientação audíveis por meio de fones de ouvido comuns.

“A primeira reação dos usuários foi muito, muito significativa”, conta Meir. “Parecia que eu tinha dado a eles um pedaço da lua!”

Saiba mais sobre a história de origem da RightHear de seu cofundador, Idan Meir:

É complicado

Yardena Ifrach é coordenadora de acessibilidade da Open University de Israel (OU) e tem orgulho de como a universidade é inclusiva. Criada em 1974, a universidade tem mais de 50.000 alunos que estudam remotamente ou em 60 campus. Entre seu corpo discente estão 7.000 profissionais, que vêm de comunidades árabes minoritárias e é o único instituto de ensino superior de Israel com uma presidente mulher. Ifrach diz que as pessoas com deficiência constituem uma grande minoria de alunos e funcionários.

“Nosso objetivo é pensar em todos, para que todos possam se sentir iguais e ter as mesmas oportunidades e experiências iguais”, explica Yardena.

A OU segue estritamente os regulamentos de acessibilidade. Para pessoas com deficiência visual, ladrilhos amarelos e táteis oferecem ajudas direcionais, enquanto botões de elevador, portas de banheiro e outros serviços são marcados com placas em Braille. Mas Ifrach diz que a utilidade prática dessas iniciativas é limitada.

“Os ladrilhos dão algumas dicas, mas eles não permitem que as pessoas saibam exatamente para onde ir – eles não fornecem uma solução de orientação completa”, diz ela.

A respeito das sinalizações em Braille, Meir afirma que “Também são de uso limitado, poucas pessoas o usam”. De acordo com os dados da Federação Nacional para Cegos, menos de um em cada 10 americanos cegos registrados eram capazes de usar Braille em 2009. Dados mais recentes sobre crianças sugerem que a porcentagem não mudou. “Além disso, se você é cego, como você encontra as placas em Braille? E quando as funções ou serviços daquele ambiente sofrem alterações, muitas vezes os sinais de Braille não acompanham”, diz o executivo.

Portanto, Ifrach buscou soluções alternativas baseadas em tecnologia. Em 2016 ela conheceu Meir. “Eu imediatamente vi o potencial de seu aplicativo”, diz ela. Logo depois, a OU se tornou a primeira cliente da RightHear.

Embora a maior parte das aulas da OU ocorra remotamente, ela oferece muitas palestras presenciais em seus campus, especialmente na grande sede em Ra’anana, onde muitos dos 2.000 funcionários acadêmicos e administrativos da universidade estão baseados. É lá que Meir estudou.

Os beacons da RightHear estão localizados nas seis maiores instalações da OU. Eles provaram ser especialmente úteis em Ra’anana, a unidade que Ifrach descreve como a “mais complicada” da OU, com centenas de escritórios, salas de aula, cantinas e outros serviços. Até mesmo os visitantes que enxergam usam o RightHear para se orientar no labirinto de corredores. Ifrach agora está procurando incorporar a solução à outras plataformas de acessibilidade digital usadas pela universidade, incluindo tecnologia baseada em sala de aula e outras ferramentas de navegação.

“Ficamos super entusiasmados quando ela falou conosco”, disse Meir. “Yardena e a OU estão adotando essa nova abordagem inovadora e as pessoas estão aproveitando.”

Bom para negócios

Uma das tarefas de Sarnetzky para testar a solução foi visitar uma filial da rede de supermercados Shufersal que estava testando RightHear e reunir uma lista de mantimentos usando apenas as instruções de seu aplicativo. Ela tinha dúvidas de que funcionaria. Nas lojas, ela geralmente conseguia localizar tipos de produtos a partir de pistas sensoriais, e não visuais, como o zumbido de geladeiras de laticínios, o cheiro da padaria ou o frescor dos refrigeradores de vegetais. Mas encontrar itens específicos era difícil.

O aplicativo RightHear mudou essa situação.

“Ele me levou ao corredor certo, me mostrou como encontrar a geladeira certa e então eu pude encontrar o produto certo”, diz Sarnetzky. “Eu pensei ‘Caramba, consegui!’”

O fato de o aplicativo ter dado a ela a confiança para fazer compras com mais frequência destaca um fator-chave por trás do desenvolvimento de tecnologias de acessibilidade: elas são boas para os usuários e para os negócios. As experiências positivas do cliente aumentam a fidelidade à marca e isso se aplica igualmente a todos os clientes.

“Se você se torna mais empático e se preocupa com pessoas com diferentes deficiências, isso cria um bom impacto social e agrega valor aos negócios”, disse o vice-presidente executivo e diretor de clientes da Shufersal, Zvi Baida. “Você obtém algum rendimento com isso.”

Shufersal é a maior rede de supermercados de Israel, com quase 400 lojas. Muitas atendem comunidades minoritárias e remotas, o que significa que a inclusão é um ingrediente vital de seu modelo operacional. Eles testam dezenas de novos aplicativos de acessibilidade a cada ano, mas muitos são rejeitados por precisarem de muita infraestrutura ou por serem intrusivos.

Quando Meir entrou em contato com a empresa, os gerentes das lojas viram o potencial de tornar seus hipermercados gigantes menos intimidantes para os clientes cegos ou com baixa visão. Os beacons do RightHear, que são pequenos e fáceis de instalar, agora auxiliam mais de 6.000 usuários em torno de 200 lojas diariamente. Os visitantes são recebidos com um aviso de boas-vindas que explica as zonas de produtos das lojas e oferece dicas para serviços fundamentais. O aplicativo orienta os usuários para encontrarem produtos e prateleiras.

Em três anos de uso no Shufersal, Baida diz que o supermercado recebeu apenas feedbacks positivos. Isso é bom não apenas para a percepção corporativa, mas também para a moral dentro da empresa.

“Temos um ditado em hebraico: se você salvar uma alma, é como salvar o mundo inteiro”, diz ele. “Se você pode ajudar as pessoas que têm menos confiança e são menos capazes de cuidar de si mesmas, então temos um papel realmente importante.”

Ouça o vice-presidente da Shufersal sobre a importância das práticas de negócios inclusivos:

Liberdade digital

Tali Sarnetzky ainda se planeja até para as menores viagens, e se locomover em ruas movimentadas ainda requer a ajuda de outras pessoas. Mas ela é grata pela liberdade que o aplicativo RightHear dá a ela em alguns de seus destinos.

“Independência não é fazer tudo por conta própria, é ter a escolha de quando você quer fazer algo por conta própria e quando deseja pedir ajuda”, diz ela. “Este aplicativo nos permite ser realmente independentes.”

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