Por Susanna Ray //
Brian Eno passou a vida inteira esperando que a tecnologia fosse capaz de dar vida às visões criativas em sua cabeça.
Esse inglês, que se autodenomina “não-músico”, compôs e produziu mais de 24 álbuns próprios, sem mencionar outras dezenas de colaborações com artistas, que variam de Devo a David Bowie. Ele não é um tecnólogo, mas a tecnologia tem feito parte integrante de sua criatividade desde os anos 1960, quando desenvolveu um sistema de atraso de fita que inspirou um novo gênero de música.
Recentemente, ele passou por outra iteração técnica: Eno e seu antigo colaborador, Peter Chilvers, convidaram o público para um passeio por um jardim holográfico de bolhas de som coloridas e florescentes, em uma experiência que confunde a linha entre público e artista. O evento “Bloom: Open Space” estreou em Amsterdã em fevereiro, trazendo o popular aplicativo Bloom, da dupla, para o mundo 3D com a ajuda dos dispositivos Microsoft HoloLens, que permitem que os visitantes sejam ouvintes, espectadores, compositores e criadores, de uma só vez, em uma experiência conjunta, a primeira do seu tipo.
Eno diz que sempre se interessou pelas possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias, e particularmente “coisas que ninguém pensou em fazer antes”. Ao utilizar a plataforma HoloLens no mundo da música e da arte, ele está ajudando a liberar a criatividade das amarras da realidade, permitindo que as pessoas participem na criação de música visual, independentemente da sua formação musical ou artística.
No aplicativo Bloom, os usuários tocam na tela para criar esferas coloridas que também são notas audíveis. Tanto o círculo quanto o som se expandem – ou florescem – até desaparecer, juntando-se aleatoriamente a outros blooms gerados pelo usuário e pelo software para criar uma música ambiente semelhante a uma harmonia sobre um fundo de bolhas.
“Bloom: Open Space” converte essa experiência em algo físico, sensorial e abrangente.
Entre dez e 15 participantes podiam usar o HoloLens por vez, conectados à rede para compartilhar imagens e sons. Eles entravam em um círculo interno, onde usavam o polegar e o indicador para apertar as flores 3D, quantas quisessem, em qualquer lugar. Todo mundo adquiria uma cor e um tom diferente para suas flores, produzindo um jardim de bolhas e notas que flutuavam à medida que se expandiam. Dezenas de visitantes podiam se reunir em um círculo, absorvendo a mesma experiência em 2D por meio de telas e alto-falantes, que iam do chão ao teto.
Assim como a música gerada pelo aplicativo, com uma variedade que não se repete, a música visual feita durante o “Bloom: Open Space” deve ser vivida ao vivo. As peças não foram gravadas e nunca poderão ser replicadas.
É a primeira vez que Eno cria uma instalação na qual o público participa diretamente e se torna parte da experiência, em vez de apenas ouvir ou assistir. Ele espera que isso incentive os visitantes a desacelerar e aproveitar o tempo.
As pessoas que usaram o aplicativo Bloom pela primeira vez geralmente começaram a tocar como se estivessem tocando um teclado, dizem Eno e Chilvers. Podia levar de cinco a dez minutos até eles perceberem que a peça estava respondendo ativamente ao que estavam fazendo, e então eles recuavam, mudavam para uma marcha mais lenta e começavam a ouvir de verdade e perceber o prazer de deixar a peça evoluir sem muita ação por parte deles.
Com o elemento 3D do HoloLens, “você não está ouvindo uma peça, está percorrendo a peça”, diz Chilvers. “É uma maneira de transformar uma música em um ambiente, que é uma maneira muito diferente de compreendê-la. Ele toca o cérebro de um jeito diferente do que colocar fones de ouvido.”
É o tipo de relacionamento que cada vez mais teremos no futuro, à medida que os sistemas se tornem mais inteligentes e mais responsivos, acrescenta Eno.
O projeto mostra “a interseção de música e tecnologia com um artista que tem sido um líder de pensamento por toda a sua carreira”, afirma Amy Sorokas, diretora de parcerias de marca da Microsoft. “Ter Brian e Peter colaborando conosco no uso do HoloLens para trabalhar os conceitos que eles exploram em realidade mista é um ótimo momento para o nosso programa Music x Technology.”
“É uma maneira de transformar uma música em um ambiente, que é uma maneira muito diferente de compreendê-la. Ele toca o cérebro de um jeito diferente de colocar fones de ouvido.”
Eno e Chilvers inventaram o nome Bloom em mensagens de texto, há uma década, quando Eno viajava de trem pela Europa e Chilvers estava em casa, na Inglaterra. “Estávamos tentando resumir o que o aplicativo significava para nós”, conta Chilvers, “e parecia que tinha alguma conexão, porque a música ambiente fica suspensa no ar como um perfume. E isso levou a flores e florescimento, que é o que as esferas fazem quando se expandem.”
O Bloom definhava na forma de um tablet até que os smartphones com telas sensíveis ao toque foram desenvolvidos e os dois fossem capazes de transformá-lo em um aplicativo para iPhone. Então, ele começou a ser útil para “todos os tipos de pessoas”, diz Chilvers. “Os pais escreveram que estavam usando-o para ajudar os filhos a adormecer. Pessoas com medo de voar de avião começaram a confiar nele para aliviar o nervosismo. Recebemos e-mails de pessoas que cuidam de crianças autistas ou com demência, dizendo que o aplicativo os ajudou a se acalmar e até se comunicar.”
Nunca satisfeito com a tecnologia – “Tenho todos os tipos de dispositivos e aparelhos em casa e estou sempre experimentando”, diz Chilvers – a dupla criativa começou a brincar com a realidade virtual (RV) assim que ficou disponível. Mas como os headsets de RV precisam ser conectados a equipamentos elaborados e serem usados em espaços específicos, eles se encontraram num beco sem saída. A opção de realidade aumentada (RA), disponível com o HoloLens, ofereceu uma experiência compartilhada que eles disseram ser exatamente o que queriam para levar o Bloom ao mundo 3D.
“Há algo de muito mágico em usar o Bloom com o HoloLens, e tocar o ar e experimentar essas formas e sons que aparecem ao seu redor”, afirma Chilvers. “É como passear por um jardim de flores. Eles parecem sólidos. Você tem que ficar se lembrando de que eles não estão realmente lá.”
A dupla passou cerca de seis meses desenvolvendo sua ideia do “Bloom: Open Space” antes de fazer um teste em um depósito em Nova York, em novembro, com vários colegas, amigos e familiares. Eles descobriram que as pessoas interagiam e expressavam suas personalidades de maneiras que nem imaginavam.
Alguns agachavam-se sozinhos em um canto, colocando flores contemplativos e maravilhados enquanto as órbitas e sons flutuavam ao redor e passavam por eles. Outros colaboraram, desenhando buquês de cores e notas uns dos outros com várias paletas e padrões. E ainda outros correram pelo armazém como crianças em uma loja de doces, espalhando flores.
Um fotógrafo que foi contratado para capturar o teste acabou se perdendo nele, criando campos de flores e passando por eles.
Os dispositivos que aumentam a realidade começaram como aplicativos de jogos, mas rapidamente transformaram-se em ferramentas úteis para situações, como treinamento médico, inspeção de elevadores e motores a jato e até mesmo o redesenho de campos de golfe.
O HoloLens oferece uma experiência interativa, “não por meio de uma tela, mas literalmente ao seu redor”, que é espacial, física, sensorial e comunicativa, explica Nick Kamuda, diretor criativo da equipe HoloLens. É uma maneira poderosa de levar a imaginação ao mundo real, onde os outros podem vivenciá-lo, diz Kamuda, que tem formação em música e artes plásticas.
“Qualquer nova plataforma sugere novas possibilidades – geralmente não para aquelas que a plataforma foi feita”, diz Eno. “Essas são, para mim, as possibilidades interessantes, as ideias que não teriam surgido se não fosse pela plataforma.”
Música e tecnologia sempre andaram de mãos dadas para Chilvers, cuja mãe era programadora e pianista. Ele começou oficialmente a combinar os dois nos anos 1990, compondo trilhas sonoras para jogos de computador. Também foi assim que ele conheceu Eno – a dupla criou músicas geradas por computador para o jogo de Will Wright, “Spore”, que mudava dependendo do que estava acontecendo entre o jogador e o jogo.
Chilvers diz que está acostumado a “bater minha cabeça contra a parede por meses” enquanto aprende como várias novas tecnologias funcionam e ponderando como elas podem combinar com a música. Mas com o HoloLens, o mecanismo de jogo Unity 3D multiplataforma faz todo o trabalho pesado, por isso “agora comecei a ser muito mais criativo e menos técnico, o que eu amo.”
Patrick Sebring, que gerencia a equipe de prototipagem de design do Windows Mixed Reality, diz que levou apenas meia hora para implementar o plano de Eno e Chilvers em um dispositivo HoloLens. “Eles foram capazes de levar nossos exemplos de código aberto e criar uma incrível experiência imersiva”, diz Sebring. “O brilho deste projeto é a sua natureza colaborativa e beleza simplista. Toda a experiência é um ótimo uso da tecnologia.”
Os dispositivos de RA, como o HoloLens, são tecnologia e computadores entrando no mundo humano, em vez de forçar as pessoas a entrar no mundo dos computadores, diz Chilvers.
“É livre e único, e está criando um novo canal para imaginar a arte”, diz ele. “Há todos os tipos de experiências que não havíamos pensado antes. Estamos apenas começando com as possibilidades da música e da tecnologia.”
No alto: Os visitantes do “Bloom: Open Space” usam headsets HoloLens e “dão vida” às flores 3D, criando um colorido jardim sonoro de bolhas e tons. (Foto: Drew Reynolds)
GIF cortesia do aplicativo Bloom, de Brian Eno e Peter Chilvers, disponível para iPhone.