Ciência imita a natureza: pesquisadores da Microsoft testam planador controlado por Inteligência Artificial

Por Allison Linn //

No calor intenso do meio-dia no deserto de Nevada, Estados Unidos, um Jeep Wrangler branco avança pela estrada de terra desolada, cercada por quilômetros de vegetação escassa e areia.

Dois membros da equipe de pesquisa da Microsoft estão dentro do carro. Jim Piavis e Rick Rogahn ficam em pé sobre o banco, com metade do tronco para fora, pelo teto solar. Eles olham para o céu azul, tentando achar um planador.

No começo, o delicado planador preto, branco e vermelho flutua rapidamente e de forma irregular para, pouco a pouco, começar a subir em círculos largos.

Um falcão aparece ao lado dele, seguindo o mesmo padrão circular.

“Temos um amigo conosco lá em cima”, diz Piavis, chefe da missão. “É um bom sinal.”

Medindo cinco metros de comprimento e pesando quase seis quilos, o planador encontrou uma coluna de ar termal, que sobe devido ao calor. Em pouco tempo, ele parece estar mais longe. Enquanto o Jeep continua seu caminho pela estrada até atingir 48 km/h, o planador segue o mesmo percurso no céu. Parece uma perseguição, que a equipe apelida de “máquina de subida infinita”.

Os pesquisadores da Microsoft criaram um sistema que usa Inteligência Artificial (IA) para manter o planador no ar sem usar um motor. Ele simplesmente pega carona nas correntes de ar termais, similares às que os pássaros usam para se manter no alto.

“Os pássaros fazem isso sem o menor esforço, apenas aproveitando as condições da natureza. E fazem isso com um cérebro do tamanho de um amendoim”, afirma Ashish Kapoor, principal pesquisador da Microsoft.

Para uma máquina realizar a mesma coisa seria necessário um complexo conjunto de algoritmos de Inteligência Artificial que pudesse identificar informações como a temperatura do ar, direção do vento e áreas em que não é permitido voar. Depois, o sistema precisa usar outros métodos de IA para colher essas informações e fazer previsões em tempo real sobre onde encontrar a próxima onda de ar termal, por exemplo.

Esse é um sistema muito mais complexo do que a maioria dos sistemas de IA que as pessoas usam para tarefas do dia a dia, como reconhecer o rosto em uma foto ou as palavras numa conversa.

Kapoor avalia que é provavelmente um dos poucos sistemas de IA operando no mundo real que não faz apenas previsões, mas que também toma decisões baseadas nelas.

Ainda é um trabalho em andamento, mas Kapoor diz que a “máquina de subida infinita” poderia, eventualmente, ser usada para qualquer tarefa prática, como monitorar plantações nas áreas rurais ou prover um serviço de internet móvel em um lugar onde não é fácil encontrar a conectividade necessária.

“Essas podem ser suas torres de celulares algum dia”, acrescenta Kapoor. “Você não precisa de nenhuma infraestrutura no chão.”

A equipe afirma que o planador poderia usar energia solar ou eólica para conseguir mais energia, fazendo o possível para permanecer no alto indefinidamente.

Da esquerda para direita, Debadeepta Dey, Andrey Kolobov, Rick Rogahn, Ashish Kapoor e Jim Piavis preparam-se para soltar o planador no deserto de Hawthorne, Nevada

IA no mundo real

O planador autônomo é útil por dentro e por fora. Andrey Kolobov, pesquisador da Microsoft responsável pela pesquisa e engenharia do projeto, esclarece que eles também esperam que o trabalho se aplique a muitos outros sistemas cada vez mais sofisticados que dependem da IA e que vão operar em ambientes reais e imprevisíveis.

“Para nós, o planador é um teste para tecnologias no centro do que será considerado inteligente nos próximos dez anos”, comenta.

Para que as pessoas possam contar com a ajuda da IA para realizar tarefas como dirigir, manter suas casas seguras e gerenciar suas agendas diárias, esses sistemas precisarão tomar decisões confiáveis baseadas em variáveis como trânsito, barulho, clima, outros objetos e até emoções humanas. Além disso, eles não poderão errar – já que seria mais caro e potencialmente perigoso.

“No mundo real, a IA terá pouco espaço para erro, como o nosso planador”, diz Kolobov.

Em pesquisa, esse tipo de habilidade é chamado de tomada de decisão sequencial sob incerteza.

“É a questão de como eu planejo o futuro, muitos passos à frente”, acrescenta Kapoor. “Computacionalmente, esse é um problema muito difícil”.

A equipe de pesquisa de robótica aérea da Microsoft se prepara para soltar um planador num voo de teste em Hawthorne, Nevada

Teoria de IA em ação

O planador que está sendo testado em Nevada depende de uma bateria para alimentar seu equipamento computacional e controles internos, como o leme, além de rádios para a comunicação com o solo. Também possui um motor para que o piloto tenha o controle da operação manual quando necessário. Mas, quando está no ar, ele foi projetado para operar por conta própria, encontrando e usando as correntes de ar termal para viajar sem a ajuda de um motor ou uma pessoa.

“O que estamos fazendo é garantir que o planador seja completamente autônomo e inteligente para mudar seu curso de ação”, conta Kolobov.

Para projetar o sistema, a equipe de pesquisadores começou com uma estrutura para pensar sobre o problema chamado “processo de decisão Markov parcialmente observável”.

Kolobov, que é coautor de um livro sobre o processo de decisão Markov, diz que é um modelo para tomar decisões planejadas em um ambiente em que não é possível saber tudo. Com o planador, a equipe combinou esse modelo com outro método de IA chamado aprendizado de reforço Bayesiano, para criar uma forma em que o sistema aprenda o que é necessário sobre o ambiente o mais rapidamente possível, com o objetivo de tomar as melhores decisões.

A equipe também está usando o que é chamado de busca de árvore de Monte Carlo, que é uma forma de a IA buscar o curso de ação mais promissor.

O sistema de IA do planador é dividido em duas partes: o planejador de alto-nível e o planejador de baixo-nível.

O planejador de alto-nível considera todos os fatores do ambiente e tenta criar um esquema pelo qual o planador deveria procurar as térmicas. Isso melhora as previsões à medida que o tempo passa, baseadas na informação que o planador coleta cada vez que está no ar.

“Para o planejador de alto-nível, a experiência importa”, afirma Kolobov. “O sistema vai ter desempenho melhor na sexta-feira do que na quinta porque incorpora informações baseadas nos voos passados.”

O planejador de baixo-nível é a parte que o aprendizado de reforço Bayesiano está usando para detectar as térmicas em tempo real, baseado em dados dos sensores do planador. Esse é o famoso “aprender fazendo”.

Kapoor, no banco do motorista, Rogahn, de azul, e Piavis, de branco, observam como o planador tenta encontrar um caminho de voo por conta própria usando algoritmos de inteligência artificial

Teste de realidade

Construir esses algoritmos de IA levou meses de trabalho nos escritórios da Microsoft no campus de Redmond, Washington.

Assim que a temperatura subiu e as térmicas melhoraram, a equipe conduziu testes de voo em uma fazenda próxima do escritório central da Microsoft. Mas eles não tinham certeza de como seria até chegarem ao pequeno campo de pouso em Hawthorne, Nevada, no meio de agosto, quando tiveram a chance de ver como todas as suas teorias seriam aplicadas no mundo real.

No dia em que descobriu o falcão, a equipe saiu por esse trecho de estrada por quatro dias, lutando contra as condições de poeira e sol enquanto soltavam seus planadores novamente.

Atrás do Jeep, um Ford Expedition servia como um escritório improvisado, repleto de computadores, ferramentas para reparos de campo e outros quatro membros da equipe de pesquisa. O ar-condicionado não deu conta de combater o calor do deserto e dos computadores.

Da esquerda para a direita, Kolobov, Iain Guilliard e Sangwoo Moon monitoram o trajeto do voo do planador e o uso de IA

À medida que o planador voa acima deles, os estagiários de pesquisa Iain Guilliard e Sangwoo Moon – dois dos que escreveram algoritmos que ajudam a alimentar o sistema – usavam quatro laptops para rastrear seu progresso e monitorar como é tirar proveito das condições identificadas, incluindo as térmicas.

A cada segundo, Guilliard monitora os parâmetros do voo do planador, enquanto os que estão no Jeep exploram o ar para a prova física da posição dele. Kolobov e Debadeepta Dey, pesquisador da Microsoft que construiu o módulo de previsão térmica do planador, se revezam para dirigir o escritório móvel atrás do Jeep e o planador.

Além de capturar as térmicas, o sistema precisa planejar suas ações para evitar certos obstáculos, como montanhas próximas, um grande lago e dezenas de munições que o Exército dos EUA armazena na área próxima do local do voo de teste.

O ambiente desordenado do mundo real, com todas as peculiaridades e obstáculos que seriam impossíveis prever no escritório, forneceu o campo de testes perfeito para o sistema.

Muitos dos problemas que enfrentaram, e tiveram que resolver, não têm nada a ver com IA. Uma falha no sistema de comunicação criou problemas com o maior planador que estavam testando, e a equipe suspeitou que as partículas magnéticas na poeira da estrada foram as responsáveis ​​por causar danos a um componente eletrônico.

Durante um teste, quando eles tentaram lançar um planador usando uma corda elástica amarrada ao Jeep após uma falha do motor, a corda se rompeu.

A cada contratempo, a equipe se preparava pacientemente para encontrar uma solução: consertando o motor, reparando o cabo elástico, encontrando uma nova bateria, substituindo um planador quebrado.

Kolobov diz que esses problemas do mundo real são exatamente o que atraiu muitas pessoas para este projeto. É também por isso que eles não desanimam com os contratempos que surgem.

“É por isso que a realidade é diferente da simulação”, analisa Kolobov. “E é por isso que viemos aqui. Viemos aprender, e não foram necessariamente as coisas que esperávamos aprender.”

Rogahn monitora o trajeto do planador durante um voo de teste perto de Hawthorne, Nevada. Rogahn é o piloto humano da equipe, o que significa que ele é responsável por fazer a aeronave decolar e aterrissar manualmente e intervir se necessário para a segurança

‘O algoritmo está indo melhor do que eu’

É tarde na sexta-feira, quando a equipe se reúne no minúsculo aeroporto de Hawthorne para uma última conversa.

Cerca de uma hora antes, no último voo da viagem, os algoritmos haviam trabalhado exatamente como previsto, enviando o planador para o ar – antes que a bateria morresse inesperadamente e o planador caísse na areia com uma velocidade alarmante.

Rogahn, o piloto humano – fornecia backup para a IA e manobrava o planador por segurança quando necessário –, conseguiu recuperar o controle no último momento, evitando um acidente por muito pouco.

“Não é elegante usar chapéu de cowboy na sala, mas sinto como se tivéssemos montado touros”, disse Rogahn, provocando risos do grupo. Depois, tirando o chapéu, ele reconhece quão longe chegaram durante os longos dias no deserto.

“O algoritmo está indo melhor do que eu como piloto de planador”, conclui.

Allison Linn é redatora sênior na Microsoft.

Fotos e vídeo de John Brecher.

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