Com novos avanços da Microsoft, a computação quântica de propósito geral se aproxima da realidade

Quando Michael Freedman se juntou ao grupo de pesquisa teórica da Microsoft há duas décadas, ele era um renomado gênio matemático conhecido por sua pesquisa em um campo obscuro da matemática, chamado topologia.

Seu trabalho – que ele não considerava como um trabalho real – era simplesmente continuar fazendo matemática, sem restrições.

Esse trabalho acabou colocando a Microsoft no caminho da construção do primeiro qubit topológico, um tipo robusto de bit quântico que a empresa acredita que servirá de base para um sistema computacional quântico escalável e de propósito geral – e marcar um avanço profundo no campo da física quântica.

“Estamos vendo a base potencial para uma tecnologia nova e revolucionária”, disse Todd Holmdahl, vice-presidente corporativo da Microsoft, responsável pelos esforços na área quântica. “Eu tenho arrepios”.

Na segunda-feira, durante a conferência Microsoft Ignite, a empresa apresentou o progresso feito no desenvolvimento de um qubit topológico e do ecossistema de hardware e software que, eventualmente, permitirá que um grande número de desenvolvedores aproveite o poder da computação quântica.

Esse progresso inclui uma nova linguagem de programação, que está profundamente integrada com o Visual Studio e projetada para trabalhar tanto em um simulador quanto em um computador quântico.

Michael Freedman, foto de Brian Smale para Microsoft

O plano da Microsoft para construir um ecossistema de computação quântica tem base no campo da matemática de Freedman e em um ramo da física aparentemente tão místico que seus primeiros pioneiros pediram ajuda à filosofia e à espiritualidade para descrevê-lo. Seus discípulos mais tarde conseguiram um financiamento e apoio de gurus da autoajuda na década de 1970. Ainda hoje, os especialistas usam termos como “estado mágico” para descrever alguns elementos da teoria e da prática da computação quântica.

Embora existam comparações místicas, os especialistas acreditam que a computação quântica terá inúmeros benefícios práticos. Um deles seria permitir que cientistas façam cálculos em minutos ou horas, o que levaria toda a vida do universo nos computadores clássicos mais avançados que usamos hoje. Por sua vez, isso significaria que as pessoas poderiam encontrar respostas para questões científicas anteriormente consideradas sem solução.

Os pesquisadores dizem que a computação quântica pode ser usada para resolver alguns dos problemas mais difíceis do mundo, desde a fome até os efeitos desastrosos das mudanças climáticas.

“Um computador quântico é capaz de modelar a natureza”, disse Krysta Svore, que liderou o desenvolvimento do software Microsoft projetado para funcionar em computadores quânticos, bem como os simuladores quânticos que permitem que o desenvolvimento prossiga mesmo quando as primeiras máquinas estão sendo construídas. “Com computadores clássicos, não conseguimos entender realmente esses processos”.

Em um dos seus primeiros usos, os especialistas acreditam que um computador quântico topológico ajudará os pesquisadores de inteligência artificial a acelerar o processo de treinamento de algoritmos usando o aprendizado de máquina.

Craig Mundie

Craig Mundie, que, como chefe responsável pela pesquisa e estratégia da Microsoft, apoiou a iniciativa de Freedman na computação quântica há 12 anos atrás, observou que, se um computador quântico puder processar um treinamento de algoritmo para a assistente digital Cortana em um dia, em vez de um mês, já seria uma melhoria profunda nos avanços de Inteligência Artificial (IA).

“Mesmo que o resto continuasse da mesma maneira, a Cortana melhoraria 30 vezes mais rápido”, disse Mundie, que continuou envolvido no projeto.

Para Freedman, ver o trabalho em matemática teórica de toda vida transformar-se em uma plataforma de computação real, que pode resolver problemas considerados sem solução, é “muito intenso”. Depois de passar a maior parte de sua carreira explorando matemática teórica sem nenhuma restrição, talvez seja irônico que os nós – ou, mais especificamente, a teoria dos nós da topologia – seja parte do que o conduziu ao que ele chama carinhosamente de primeiro trabalho real de sua vida, construindo um qubit topológico.

Freedman diz que gasta pouco tempo pensando nos efeitos que o seu trabalho pode ter na vida das pessoas.

“Perguntaram sobre as aplicações da computação quântica – o que te motiva? Você quer curar doenças, criar novos materiais, proteger o meio ambiente? “, disse ele. “A verdade é que não é nada isso. Neste ponto do projeto, a única coisa que me interessa é fazer o computador quântico funcionar”.

Da teoria à prática

Parte do desafio de Freedman é que a Microsoft não está apenas interessada em construir um computador quântico que possa ser exibido em um laboratório em algum lugar. Em vez disso, a empresa está embarcando em um plano para entregar um sistema de computação quântica topológico completo. Isso inclui desde o hardware capaz de executar cálculos que exigem dezenas de milhares de qubits lógicos até uma pilha de software completa que possa programar e controlar o computador quântico.

Conectando os fios de medida ao dispositivo quântico.

“Estamos fazendo tudo”, disse Holmdahl, “da física ao plano de controle, o software executado no computador, os algoritmos necessários para fazer coisas interessantes como química quântica, aplicações de medicina personalizada ou ajuda com a mudança climática”.

A Microsoft já teve um projeto de pesquisa complementar focado em criptografia e segurança em um mundo pós-quântico e participou de esforços da indústria para preparar algoritmos criptográficos quânticos.

A peça central dos esforços da Microsoft é o qubit topológico.

Há doze anos, quando Freedman entrou em contato com Mundie procurando apoio para sua ideia de computação quântica, Mundie disse que a computação quântica estava inativa. Embora os físicos estivessem falando sobre a possibilidade de construir computadores quânticos por anos, eles estavam tendo problemas para criar um qubit com fidelidade alta para ser útil na construção de um computador.

Para pesquisadores que usam qubits físicos com apenas o mínimo de fidelidade, requer aproximadamente 10 mil deles para fazer um qubit “lógico” – que é um qubit confiável o suficiente para qualquer computação útil.

O problema é que os qubits são extremamente finos. Se você os interrompe mesmo que da menor forma possível, eles entram no processo de descodificação, o que, basicamente, significa que eles deixam o estado físico no qual podem ser usados para computação.

Freedman estava explorando a ideia de que os qubits topológicos seriam mais robustos porque suas propriedades topológicas os tornariam mais estáveis e proporcionariam mais proteção contra erros inatos. Isso porque, por definição, um estado topológico de matéria é aquele em que um elétron pode ser fracionado e aparecer em diferentes lugares dentro de um sistema.

Uma vez que o elétron está dividido, é mais difícil que seja perturbado porque você precisa alterar todos os lugares diferentes em que as informações estão sendo armazenadas.

Como designer e engenheiro de software de supercomputadores por muito tempo, Mundie disse que comprou instantaneamente a ideia de um bit quântico que fosse mais robusto e tivesse tolerância a falhas incluídas. Isso tornaria a tarefa de projetar uma máquina escalável e útil mais gerenciável.

“A própria computação já estava transformando todos os setores da sociedade e da economia”, afirmou. “Eu percebi que se você pudesse criar uma nova classe de computação que fosse capaz de alterar esses blocos de construção fundamentais, você poderá fazer de novo o que a computação fez nos últimos 50 ou 60 anos”.

O full stack

Com o apoio de Mundie, Freedman criou um laboratório em Santa Bárbara, Califórnia, e começou a recrutar alguns dos melhores físicos teóricos e de matéria condensada, cientistas de materiais, matemáticos e cientistas da computação do mundo, para trabalhar na construção do qubit topológico. Essa equipe agora possui muitos especialistas quânticos que se juntaram à Microsoft como funcionários no ano passado, incluindo Leo Kouwenhoven, Charles Marcus, David Reilly e Matthias Troyer.

Krysta Svore

Para criar a infraestrutura de uma plataforma de computação completa, a Microsoft trabalhou simultaneamente na construção de hardware, software e linguagens de programação para a computação quântica topológica.

Na segunda-feira, durante o Ignite, a Microsoft anunciou o último marco em seu esforço para construir um full stack: uma nova linguagem de programação projetada para que desenvolvedores criem aplicativos para depurar em simuladores quânticos hoje e executar em um computador quântico topológico real no futuro.

“O mesmo código que você está executando hoje na simulação, você pode executar amanhã em nosso computador quântico”, afirmou Svore.

Svore disse que as novas ferramentas são projetadas para desenvolvedores que estão interessados em estar na frente dos avanços da computação – o mesmo tipo de pessoas que logo adotaram aprendizado de máquinas e outros avanços de inteligência artificial.

Você não precisa ser um físico quântico para usá-las. A nova linguagem de programação é integrada no Visual Studio, e inclui os tipos de ferramentas que os desenvolvedores confiam para a computação clássica, como depuração e autocomplete.

“Não deveria parecer muito diferente do que eles já estão fazendo”, comentou Svore.

O sistema, que estará disponível como uma prévia gratuita até o final do ano, também inclui bibliotecas e tutoriais para que os desenvolvedores possam se familiarizar com a computação quântica. É projetado para trabalhar em um nível de abstração mais alto, de modo que os desenvolvedores sem conhecimentos quânticos realmente possam chamar sub-rotinas quânticas ou escrever sequências de instruções de programação, trabalhando para escrever um programa quântico completo. Os desenvolvedores podem se inscrever para participar hoje.

O sistema é projetado para que os usuários individuais possam simular problemas que exigem até 30 qubits lógicos de energia em seus próprios computadores pessoais e selecionando clientes corporativos, usando o Azure, podem simular mais de 40 qubits de potência computacional.

Na computação quântica, o poder cresce exponencialmente com o número de qubits lógicos. Um qubit lógico é o qubit no nível do algoritmo. Com esse nível de hardware, cada qubit lógico é representado no hardware por uma série de qubits físicos para permitir a proteção da informação lógica. A abordagem da Microsoft leva menos qubits topológicos para desenvolver um qubit lógico, tornando muito mais fácil para escalar.

Svore afirmou que uma das principais vantagens de ter uma linguagem de programação que funciona em um ambiente de simulação é que ajudará as pessoas interessadas em usar computadores quânticos para resolver problemas e ter uma melhor percepção de como aproveitar a energia quântica para diferentes tipos de problemas. Isso acelerará sua capacidade de aproveitar a computação quântica quando estiver disponível.

O lugar mais frio da Terra

Mesmo que um qubit topológico seja mais robusto do que um qubit regular, ele ainda é muito frágil. A única maneira de protegê-lo de interferências externas que podem causar a descodificação é criá-lo e operá-lo em um lugar muito frio.

Douglas Carmean, um arquiteto na divisão de computação quântica da Microsoft, lidera o grupo que está trabalhando em uma arquitetura de sistema em que os qubits funcionam apenas um pouco acima do zero absoluto ou -273,127°C – o lugar mais frio da Terra, mais frio que o espaço profundo – enquanto ainda é capaz de comunicar com pessoas e outros computadores que trabalham à temperatura ambiente.

Esse é o tipo de avanço que um pesquisador pode tentar fazer em um ambiente de laboratório perfeito com um qubit. Mas Carmean quer criar sistemas que os programadores possam finalmente usar para calcular em centenas de milhares de qubits lógicos, ou mais.

“Meu trabalho é, basicamente, levar algo que os teóricos e os experimentalistas mostraram uma vez e, em seguida, criar milhões deles em um fator de forma que é útil”, disse ele.

O fim do começo da longa jornada

Os especialistas em computação quântica muitas vezes observam duas coisas: um dos melhores usos que eles veem para um qubit topológico é desenvolver melhores tecnologias de computação quântica e que um dos maiores prazeres desse tipo de trabalho é que você não pode prever quais avanços serão produzidos.

Quando Mundie apoiou o esforço de pesquisa de Freedman pela primeira vez, há 12 anos, foi porque ele podia enxergar o ponto que chegamos, no qual a teoria quântica levaria à engenharia.

Mais de 50 anos depois do pioneirismo de Richard Feynman na ideia de computação quântica, Mundie agora está olhando para a economia quântica, que ele acredita ser o o produto que esse novo tipo de computação criará. Assim como a computação clássica mudou praticamente todos os aspectos da sociedade, ele acha que a computação quântica acabará ajudando a impulsionar mudanças revolucionárias em quase tudo, começando pela química, materiais e aprendizado de máquina.

“Pela primeira vez em 70 anos, estamos buscando uma maneira de construir um sistema de computação completamente diferente”, afirmou. “Não é uma melhoria ou um avanço incremental. É algo qualitativamente diferente”.

Imagem no topo: bits quânticos, ou qubits, precisam ser criados e operados em temperaturas muito frias. Os pesquisadores usam um refrigerador de diluição, onde um dispositivo quântico é inserido em um “disco” que será arrefecido até temperaturas pouco acima do zero absoluto.

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