Com projeto piloto de transporte compartilhado, MARTA e Georgia Tech oferecem aos passageiros uma solução de acesso à rede de transporte público

Quando LaQuetta Ferrell soube do MARTA Reach, um serviço piloto e sob demanda de transporte compartilhado em Atlanta, ela começou a usar o serviço prontamente naquele mesmo dia. 

O trajeto de Ferrel para o trabalho se tornou uma tarefa árdua. Ela acordava às 4h30 da manhã durante a semana para pegar um ônibus e um trem e chegar ao trabalho no centro de Atlanta às 7h. Ela tinha que subir ladeiras e andar por vários quarteirões até o ponto de ônibus, usando uma joelheira devido a um problema sério em seu joelho.  A viagem só de ida demorava em média 45 minutos com o trânsito bom, mas às vezes poderia durar até uma hora e meia, contra os 15 minutos que levaria para ir ao trabalho se ela tivesse um carro. 

O MARTA Reach, um projeto piloto de seis meses lançado em março pelo Metropolitan Atlanta Rapid Transit Authority (MARTA) em colaboração com o Georgia Institute of Technology, ofereceu conveniência e um trajeto mais curto a Ferrell. Todas as manhãs durante a semana, ela solicitava um transporte por meio de um aplicativo instalado em seu telefone, e um veículo MARTA Reach a pegava do outro lado da rua em frente a sua casa e a levava para a estação de trem desejada. 

O MARTA Reach usa veículos adaptados para cadeirantes reaproveitados da agência de serviço de trânsito para pessoas com deficiência. (Cortesia de MARTA)

No caminho para casa, ela chamava outra carona partindo da estação de trem e geralmente era atendida em menos de cinco minutos, em vez de esperar às vezes uma hora por um ônibus.  

“O MARTA Reach realmente foi útil para mim”, diz Ferrell, assistente administrativa da Agência de Proteção Ambiental dos EUA. “É um serviço necessário e funciona bem.” 

O MARTA e a Georgia Tech lançaram o projeto piloto para resolver um problema que é conhecido como “primeira milha, última milha”, enfrentado por muitos moradores como Ferrell, que não têm fácil acesso a um ponto de ônibus ou estação de trem. Durante o período de teste, que funcionava das 6h00 às 19h00 de segunda a sexta-feira até o mês de agosto, os usuários puderam solicitar um transporte MARTA Reach pelo aplicativo ou telefone. Uma corrida custava US$ 2,50, o mesmo valor de uma tarifa normal dos meios de transporte de Atlanta, e as demais viagens, como o trem ou ônibus, eram gratuitas. Todos os veículos do MARTA Reach, reaproveitados da agência de serviço de trânsito para pessoas com deficiência, são acessíveis para cadeira de rodas.  

O piloto foi lançado inicialmente em três zonas e expandido em maio para incluir diversos outros bairros. Em parceria com a Georgia Tech, o MARTA escolheu zonas que eram diferentes entre si, buscando determinar como o transporte sob demanda iria funcionar em uma área residencial em comparação a uma área comercial mista ou a uma localização mais industrial. Os passageiros usariam o serviço principalmente para chegar ao trabalho? Para ir às compras? Encontrar com os amigos? O objetivo era: melhorar o serviço para os usuários do transporte público já existente e, idealmente, atrair novos usuários que podem optar pelo transporte coletivo em vez de dirigir, se for conveniente o suficiente. 

A demanda cresceu rapidamente, de menos de 100 corridas na semana, quando o projeto foi lançado, para mais de 600 no início de agosto. Ao final de agosto, o MARTA Reach atendeu mais de 8.300 passageiros e foi projetado para atingir 1.250 corridas por semana caso o serviço continuasse em setembro.

O MARTA Reach rapidamente atraiu passageiros que usavam o serviço regularmente, alguns deles várias vezes ao dia. (Cortesia de MARTA)

A Agência de Transporte de Atlanta agora está avaliando os dados do programa para entender como os passageiros usaram o serviço e determinar, enquanto a agência faz um redesenho de sua rede de ônibus, se deve estender o piloto ou tornar o serviço permanente. Anthony Thomas, gerente de inovação e experiência do cliente do MARTA, diz que dados preliminares mostraram que diversos passageiros, como Ferrell, estavam usando o serviço regularmente. 

“As pessoas estão muito animadas com o programa”, diz ele. “E nós estamos muito satisfeitos com a adesão ao serviço, que está sendo utilizado por muitos cidadãos que faziam vários trajetos por dia.” 

Apesar do MARTA Reach ter sido idealizado para levar passageiros por distâncias relativamente curtas, essa conveniência pode fazer uma enorme diferença no dia a dia das pessoas, diz Thomas. 

“Em teoria, pode parecer que as estações ou ponto de ônibus estão bem pertos, como uma caminhada de 10 minutos”, diz Thomas. “Mas quando você está na rua e faz 35 °C, ou se você está levando compras, ou crianças em um carrinho, aqueles 10 minutos de caminhada se tornam uma barreira para as pessoas, e eles podem simplesmente decidir entrar em um carro”. 

O executivo complementa: “Para pessoas no espectro de baixa renda, ter que pagar por um carro é um grande fardo. Então, poder substituir essa viagem com uma viagem de US$ 2,50 do MARTA é, a meu ver, algo extraordinariamente poderoso e muito benéfico para as comunidades onde operamos o serviço”.  

O piloto foi projetado para testar como os ônibus sob demanda podem ajudar mais facilmente os moradores de Atlanta a se conectarem com o serviço ferroviário e de ônibus. (Cortesia de MARTA)

A idéia de criar o MARTA Reach surgiu há uma década, quando Pascal Van Hentenryck, agora professor de Engenharia e Ciência da Computação na Georgia Tech, estava liderando um grupo de pesquisadores na Austrália focados no uso da ciência de dados para resolver grandes desafios em áreas como o transporte público. 

Trabalhando em Canberra, capital da Austrália, o time da NICTA — Centro Nacional de Pesquisa em Tecnologia da Informação e Comunicação da Austrália — notou táxis indo e voltando do aeroporto para o prédio do Parlamento e muitos ônibus que estavam vazios ou com poucos passageiros. 

Os pesquisadores imaginaram um sistema que removeria alguns dos ônibus vazios e, em vez disso, usaria táxis para conectar passageiros a ônibus de alta frequência. O grupo fez um planejamento inicial e, quando Van Hentenryck voltou aos EUA para trabalhar na Universidade de Michigan, lançou um piloto de compartilhamento de viagem que oferecia transporte gratuito em vans pelo campus e para vários bairros vizinhos. Van Hentenryck e uma equipe de alunos criaram um aplicativo para o serviço, que durou quatro meses em 2018. 

“Foi um sucesso incrível”, diz Van Hentenryck, agora presidente da A. Russell Chandler III e professor de Engenharia Industrial e de Sistemas na Georgia Tech. “Estava funcionando apenas de 18h à meia-noite, mas tínhamos 400 alunos usando o sistema todos os dias.”

O professor da Georgia Tech Pascal Van Hentenryck começou a pensar em combinar transporte público e viagens sob demanda enquanto liderava uma equipe de pesquisadores na Austrália. (Foto de Anmarie Smith/DV Photo Video)

Esse sucesso levou Van Hentenryck a pensar grande – sobre combinar o transporte público com um serviço de compartilhamento de viagem sob demanda para os moradores de Atlanta que não têm acesso ao transporte público. Uma metrópole extensa com a nona maior área metropolitana dos Estados Unidos, Atlanta tem uma rede de linhas de ônibus ligadas a um sistema de trem com 38 estações. Mas fornecer acesso a transporte para os quase 6,1 milhões de habitantes da região é um desafio contínuo à medida que Atlanta continua a crescer. Os ônibus não atendem toda a região e algumas rotas são subutilizadas. 

Os líderes do MARTA estavam pensando em como resolver o problema do acesso à rede de transporte público quando Van Hentenryck abordou a agência em 2021 com uma possível solução. Ele e seus alunos conseguiram uma doação de US$ 1 milhão da National Science Foundation para desenvolver um sistema de viagem compartilhada sob demanda. Com base no piloto da Universidade de Michigan, a equipe de Van Hentenryck desenvolveria a tecnologia e os aplicativos necessários para o serviço e subsidiaria parcialmente sua operação. 

“Claramente, era um projeto em fase totalmente inicial naquele momento”, diz Thomas. “É algo que queríamos testar em nosso sistema por um tempo. Nos deram a chance e foi uma ótima oportunidade para explorá-lo naquele momento.” 

Van Hentenryck e uma equipe de cerca de sete alunos de Ph.D. desenvolveram um conjunto de tecnologia baseado em Azure para o piloto, incluindo um sistema de roteamento e aplicativos separados para passageiros, motoristas e sistema administrativo.

A equipe começou com o aplicativo desenvolvido para a cidade de Michigan, mas a construção de tecnologia projetada para um campus universitário que atende a um complexo sistema de transporte urbano espalhado por uma área geográfica muito maior provou ser um desafio. 

Pascal Van Hentenryck acompanhado pelos alunos de Ph.D. Anthony Trasatti, Connor Riley e Hongzhao Guan, que trabalharam no piloto com ele. (Foto de Anmarie Smith/DV Photo Video)

Assim, os alunos trabalharam de perto com a Microsoft para implementar e otimizar o aplicativo no Azure. Eles aproveitaram vários recursos importantes para criar aplicações de maneira rápida, melhorar o processamento de dados e aprimorar a segurança das informações dos usuários. O Azure permitiu aos alunos de Ph.D. configurar e dimensionar rapidamente seu aplicativo, liberando-os para se concentrar no que mais importava: criar uma solução para aumentar a mobilidade na região metropolitana de Atlanta. 

O Azure permitiu a automação de algumas tarefas que seriam difíceis de construir do zero, mas como o sistema era novo, não havia dados para educar os algoritmos de aprendizado de máquina. A equipe rapidamente descobriu que havia variáveis ​​que não haviam sido consideradas – em particular, o comportamento do motorista. 

Por um lado, os motoristas do MARTA Reach dirigiam mais devagar do que Van Hentenryck havia previsto. Isso foi ótimo do ponto de vista da segurança, mas exigiu que a equipe ajustasse o sistema de acordo com o ritmo dos motoristas. E nos primeiros dias do projeto piloto, quando ainda havia pouca demanda de passageiros, às vezes os motoristas não prestavam atenção aos alertas de solicitações de viagem, então a equipe adicionou uma funcionalidade para realocar rapidamente outro veículo quando um motorista não respondia. 

“É da natureza humana que, se você ficar ocioso por 20 minutos, você ficará disperso”, diz Connor Riley, um ex-aluno da Georgia Tech que trabalhou no piloto com Van Hentenryck e com o estudante de Ph.D. Anthony Trasatti. 

“Tivemos que fazer adaptações para garantir que, quando uma solicitação chegasse, o motorista tivesse as informações da viagem e fosse alertado prontamente, para que o desempenho do projeto não fosse prejudicado”, diz Riley. 

Pascal Van Hentenryck, no centro, acha que o modelo do MARTA Reach pode ser replicado em outras cidades para conectar passageiros com ônibus de trânsito rápido ou serviço de trem. (Foto de Anmarie Smith/DV Photo Video)

À medida que o piloto funcionava e os motoristas conheciam seus passageiros regulares, outra falha foi identificada. Os motoristas às vezes deixavam os passageiros em casa ou em paradas não designadas, fornecendo um serviço exemplar, mas em contrapartida estavam inadvertidamente bagunçando o sistema. 

“Os motoristas percorriam um longo caminho para garantir que os passageiros estavam satisfeitos. Mas, ao mesmo tempo, obviamente isso impactou a otimização da plataforma”, diz Van Hentenryck. “No final das contas, esses são sistemas que são operados por pessoas e que estão servindo às pessoas em um ambiente humano. E esses fatores são realmente difíceis de prever.” 

Em resposta ao feedback dos passageiros e do MARTA, a equipe de Van Hentenryck inseriu paradas de ônibus adicionais ao sistema e vários novos recursos, incluindo um histórico de viagem para que os passageiros possam repetir uma rota facilmente clicando em um botão, e a capacidade de inserir um endereço e encontrar a parada mais próxima. A equipe também desenvolveu uma funcionalidade para os colaboradores do MARTA solicitarem viagens para passageiros que quisessem ligar em vez de usar o aplicativo. 

“Queríamos garantir que as pessoas que não podem comprar um smartphone ou que preferem não usar a tecnologia também tenham acesso ao sistema”, diz Thomas. 

Com o tempo, surgiram padrões. Levantando-se antes das 6 da manhã para monitorar os passeios do MARTA Reach em tempo real em um painel, a equipe da Georgia Tech notou muitos passageiros viajando pelas mesmas rotas diariamente; Van Hentenryck estima que cerca de 60 a 70% das viagens do MARTA Reach foram para o trabalho. Outros frequentadores regulares usaram o serviço para fazer compras, com as lojas Walmart e Kroger entre os destinos mais populares. 

“Com o MARTA Reach, as pessoas não precisam esperar muito tempo por um ônibus e não precisam caminhar do supermercado até sua residência, carregando sacolas ou acompanhadas das crianças”, diz Hongzhao Guan, membro da equipe da Georgia Tech. “Eles poderiam levar seu carrinho de compras para o estacionamento, depois pegar suas sacolas e seguir direto para um ônibus. É muito conveniente.” 

LaQuetta Ferrell relaxa em casa com o seu pitbull de nariz azul, Molly. (Foto de Anmarie Smith/DV Photo Video)

As agências de trânsito de todos os países têm enfrentado um cenário de mudança, impactadas pela concorrência de serviços de compartilhamento de viagens, como Uber e Lyft, além da diminuição no número de passageiros durante a pandemia de Covid-19 e a escassez de mão de obra. Agências em várias outras cidades americanas, incluindo Los Angeles e Salt Lake City, também lançaram serviços de compartilhamento de viagem sob demanda. 

Van Hentenryck acredita que o modelo MARTA Reach pode ser replicado em outras cidades para conectar passageiros com a malha de transporte, em grande parte porque foi alcançado por apenas um punhado de estudantes trabalhando em cooperação com a Microsoft. A arquitetura do aplicativo está pronta para ser dimensionada para outros sistemas metropolitanos, se e quando necessário, sem a necessidade de um grande investimento em equipe ou infraestrutura. 

“Acho que o maior potencial será em cidades de médio porte, onde você pode conectar muitas pessoas com a espinha dorsal do transporte público usando modelos similares ao MARTA Reach”, diz Van Hentenryck. “Acho que é aí que está o mercado.” 

Para Guan, ver como as pessoas usaram o MARTA Reach e o serviço prestado pelo piloto foi gratificante. 

“Como estudantes de Ph.D., normalmente passamos nossos dias na frente de um computador, executando experimentos computacionais e verificando nossos resultados”, diz ele. “Mas o MARTA Reach nos deu a oportunidade de testar nossa ideia no mundo real. Recebemos muitos feedbacks positivos dos clientes e vemos que eles realmente confiam neste serviço. Me sinto muito orgulhoso por termos ajudado as comunidades locais.” 

Ferrell, por sua vez, espera que o MARTA Reach continue. Ela se tornou amiga de seus motoristas, que às vezes a deixavam dentro de seu conjunto habitacional. Ela era uma embaixadora informal do MARTA Reach, espalhando panfletos pelo bairro e na sala de descanso de seu escritório para informar as pessoas sobre isso.

 “Contei a muitas pessoas sobre isso”, diz ela. “Eu amo o serviço.”

 


Foto do topo: LaQuetta Ferrell sai de sua casa em Atlanta, onde pegaria um ônibus MARTA Reach do outro lado da rua em seu trajeto para o trabalho. (Foto de Anmarie Smith/DV Photo Video) 

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