Como as comunidades estão criando sistemas de justiça mais equitativos com foco na saúde mental

Um morador de um bairro de Atlanta estava preocupado com o bem-estar de uma mulher pedindo esmolas perto de um banco com três crianças a tiracolo. Em muitos lugares, ligar para o 911, telefone de emergência, é a única opção para obter ajuda imediata para problemas comportamentais ou de qualidade de vida, como falta de moradia, abuso de substâncias e problemas de saúde mental. 

Mas a pessoa ligou para o 311, a linha não emergencial de Atlanta. Em vez de uma resposta da polícia, que às vezes pode intensificar as situações, a ligação trouxe Stacy Piper, especialista em engajamento comunitário da ONG Policing Alternatives & Diversion Initiative (PAD). Piper deu comida e água à mulher e conversou com ela até entender que ela estava arrecadando dinheiro para um quarto de hotel. Ela conectou a mulher a um gerente de casos, que a ajudou a encontrar moradia permanente. 

“É aí que nossa equipe realmente brilha”, diz Moki Macias, diretor executivo da PAD. “Atuamos de maneira diferente da aplicação da lei, onde as situações podem escalar rapidamente e alguém acaba com uma acusação e acaba na prisão. Estamos tentando mudar o foco de fiscalização para atendimento”. 

O programa do PAD trabalha em parceria com a Microsoft Justice Reform Initiative, que apoia organizações que estão desenvolvendo alternativas para prisão e encarceramento, acelerando novos modelos de segurança pública e trabalhando para expandir o acesso à informações baseadas em dados. 

“Reconhecemos que pessoas com problemas de saúde mental e em comunidades negras e afro-americanas têm experiências muito diferentes em suas interações com o sistema de justiça”, diz Merisa Heu-Weller, gerente geral da Microsoft Justice Reform Initiative. “Nosso compromisso é promover a equidade racial no sistema de justiça para que as comunidades possam prosperar.” 

“As pessoas que estão em situações de crise precisam de uma escuta atento, compaixão e assistência que atenda às pessoas com soluções focadas em seu caso especifico”, diz Stacy Piper, especialista em engajamento comunitário do PAD, na foto. “Ouvi um ditado que se aplica perfeitamente ao trabalho do PAD: ‘Somos apenas pessoas comuns que apoiam pessoas comuns que são pessoas como nós.’” (foto de DV Photo Video)

Estudos mostram que as pessoas com deficiência mental são mais propensas a serem presas do que aquelas sem deficiência. Detenções repetidas são comuns para pessoas que enfrentam pobreza extrema, dependência química e outros problemas frequentemente relacionados a condições de saúde mental não tratadas. Uma em cada quatro pessoas com problemas de saúde mental tem histórico de prisão. 

“Quando falamos sobre reforma do sistema judiciário, não podemos fazer isso sem levar em contar a equidade de deficiência, o que inclui soluções orientadas para a comunidade que visem envolvê-los quando ocorre uma crise de saúde mental”, diz Ebele Okoli, que gerencia programas de acessibilidade da Microsoft focados em saúde mental.  

Os negros em geral têm duas vezes mais chances de serem presos do que os brancos nos EUA, de acordo com um painel de tendências de prisão construído pelo Vera Institute of Justice com apoio da Microsoft. Um estudo da Universidade de Cornell descobriu que 55% dos homens negros com deficiência foram presos aos 28 anos. Em comparação, menos de 40% dos brancos com deficiência tiveram a mesma experiência. As disparidades raciais nos sistemas de saúde mental, desde o acesso precário ao viés sistêmico, também impactam negativamente as comunidades negras e afro-americanas. 

Com acesso a dados e tecnologia, organizações sem fins lucrativos e movimentos locais estão na vanguarda das mudanças sistêmicas. Em Atlanta, a PAD está analisando milhares de prisões por mês com um painel do Microsoft Power BI que ajuda a entender as tendências de policiamento. O painel ajuda a PAD a rastrear dados relacionados a dados demográficos, localização, se um policial ou uma ligação para a emergência iniciou uma prisão e se uma prisão levou a um fichamento, citação ou acusação criminal. 

“Mudar qualquer sistema requer ser capaz de entender o que está acontecendo”, diz Macias. “É aí que a Microsoft realmente ajuda em termos de suporte técnico. Ser capaz de usar os dados de forma eficaz impulsiona nossa estratégia e nos permite fazer parte de conversas políticas mais amplas.” 

Moki Macias, diretora executiva da PAD (foto cedida pela PAD)

O trabalho da PAD faz parte de uma iniciativa maior de reforma da justiça chamada LEAD, que ajuda as jurisdições a reduzir prisões e processos desnecessários de pessoas com doenças comportamentais não gerenciadas. Desenvolvido em Seattle em 2011 por uma coalizão que incluiu a Associação de Defensores Públicos, o LEAD fornece um modelo de gerenciamento de casos baseado em desvio e no bom senso das ruas, agora usado em mais de 60 jurisdições em todo o país e cada vez mais em todo o mundo. 

“Muitas pessoas reconhecem que há pouco ou nenhum benefício em prender e encarcerar repetidamente pessoas cuja conduta ilegal ou problemática decorre de necessidades de saúde comportamental não atendidas”, diz Rebecca Brown, especialista em consultoria do LEAD Proof of Concept Project. A iniciativa está trabalhando para aumentar a eficácia do modelo em uma rede diversificada de unidades em todo o país americano. 

 “Há policiais que não querem continuar prendendo pessoas que estão claramente sofrendo de doenças mentais”, diz Brown. “Há promotores que olham para as pessoas nos tribunais pensando ‘Eu não quero processar essa pessoa’ pois eles reconhecem que eles estão sofrendo e que a criminalização de doenças comportamentais não faz nada para atender às necessidades que podem estar gerando condutas problemáticas.”

Rebecca Brown, especialista em consultoria para o LEAD Proof of Concept Project (foto fornecida por Brown)

Mas as jurisdições muitas vezes sofrem com infraestrutura de dados ineficiente, que dificulta a capacidade de criar e sustentar programas de reforma judicial bem-sucedidos. Para ajudar, o LEAD Proof of Concept Project está trabalhando com a Microsoft para melhorar os sistemas técnicos e de dados dos locais onde a ONG atua, incluindo Atlanta. O objetivo é desenvolver soluções tecnológicas customizadas para o modelo LEAD e adaptáveis para cada unidade e suas particularidades. 

“Cada unidade do projeto LEAD passa por sua própria curva de aprendizado, mas eles têm pontos em comum”, diz Brown. “Em todas há policiais, promotores, gerentes de casos, prestadores de serviços para moradores de rua. E cada unidade precisa compartilhar informações entre agências de forma transparente para fins operacionais e analíticos, ao mesmo tempo em que protege a privacidade. Por isso, estamos desenvolvendo uma estrutura tecnológica padronizada e normatizada, para atender ao modelo do LEAD.” 

No condado de Los Angeles, que abriga a maior população carcerária dos EUA, o Rapid Diversion Program (Programa de Desvio Rápido) já está causando impacto. Com base em seis tribunais do condado, especialistas em saúde comportamental avaliam os réus para diagnósticos de saúde mental no início dos processos judiciais e os conectam com gerenciamento de casos, tratamento, moradia e oportunidades de emprego. O programa voluntário não exige uma confissão de culpa e está disponível para pessoas acusadas de contravenções ou crimes não violentos. Os casos são encerrados quando um participante conclui o programa. 

Mais de 200 pessoas concluíram o programa desde que começou, em 2019. Cerca de 96% delas evitaram mais envolvimento com o sistema de justiça. Mais de 70% das pessoas elegíveis que entraram no programa são negras, afro-americanas, hispânicas ou latinas. 

“Essa é a grande diferença do que se costuma ver com outros programas de desvio. Normalmente, devido a regras restritivas de quem é elegível para esses programas, vemos que as pessoas pretas são deixadas de fora e os participantes são em maioria brancos”, diz Brett Taylor, consultor sênior do West Coas Initiatives no Center for Court Innovation. A organização sem fins lucrativos com sede em Nova York fornece assistência técnica ao condado de Los Angeles, onde mais de 700 pessoas estão atualmente inscritas no Rapid Diversion. 

Para o programa, a elegibilidade mais inclusiva torna o acesso ao tratamento e aos serviços sociais mais equitativo e “pode ajudar a mitigar os efeitos de anos de policiamento excessivo em comunidades formada por negros”, diz Taylor. A organização também leva o programa intencionalmente a cidades com grandes comunidades negras e afro-americanas, onde o histórico de desinvestimento deixou uma escassez de serviços de saúde mental. 

Equipe do Center for Court Innovation e membros do West Coas Initiatives: Chidinma Ume, diretora interina de políticas (esquerda), Brett Taylor, conselheiro sênior (centro); e Oceana Gilliam, planejadora (foto cedida pelo Center for Court Innovation)

O Center for Court Innovation fez parceria com a Microsoft para aumentar a capacidade do Condado de Los Angeles de coletar dados relacionados a disparidades e outros indicadores. 

“Muitas jurisdições supõem que as informações estão sendo coletadas e, um ano depois, dizem: ‘Devemos olhar para as disparidades raciais. Ah, espere, não estamos coletando essas informações’”, diz Chidinma Ume, diretora interina de políticas do Centro. “A Microsoft nos ajudou a focar e colocar em prática como vamos coletar estas informações e como vamos medi-las.” 

O trabalho técnico em parceria com a Microsoft ajudará o Condado de Los Angeles a orientar sua estratégia e avaliar o impacto sistêmico do Desvio Rápido. 

Quando os participantes concluem o programa, eles são convidados a compartilhar suas reflexões em uma audiência final no tribunal. Uma mulher, que estava vivendo em seu carro, compartilhou como conseguiu encontrar trabalho, se mudar para um apartamento e se reunir com seu filho por causa do Rapid Diversion. Um homem, que lutava contra doenças mentais e transtorno por uso de substâncias desde a adolescência, conseguiu entrar em tratamento, encontrar moradia permanente, tornar-se cozinheiro e se reconciliar com sua família por meio do programa. 

“Penso nos impactos geracionais deste trabalho e como, se pudermos ajudar uma pessoa mudar sua trajetória, isso pode ter impactos indiretos em sua família e comunidade”, diz Ume. 

 


Organizações comunitárias interessadas em usar dados e tecnologia para abordar a interseção da saúde mental e do sistema jurídico criminal estão convidadas a se inscrever no Catalyst Grant Program. 

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