Competição dá um grande passo na maior jornada para criar agricultura sustentável

Integrantes da equipe Sonoma diante da plantação de pepinos.

Os pés de pepino, com suas folhas largas, verdes e viçosas, erguiam-se em fileiras bem cuidadas, aquecendo-se sob a luz do sol da Holanda, brilhando através das vidraças de suas estufas. As expectativas eram altas para as plantas – uma colheita abundante em apenas quatro meses usando o mínimo possível de recursos. Com a quantidade e o tipo certos de cuidado, elas produziriam legumes para os consumidores desfrutarem. Para o observador casual, porém, poderia parecer que as plantas haviam sido deixadas à própria sorte. A equipe da estufa passava para colher ou ajustar câmeras e outros dispositivos elétricos no interior, mas o contato humano dos responsáveis por determinar a quantidade de água, nutrição e luz que as plantas recebiam era inexistente. Essa era a questão.

No ano passado, a Wageningen University & Research e o patrocinador corporativo Tencent desafiaram pesquisadores, cientistas e especialistas de vários setores a construir a estufa do futuro. Motivados pela pressão potencial sobre os métodos tradicionais de produção de alimentos por causa de uma crescente população mundial e vendo uma solução em estufas operacionalmente sem ação humana, os organizadores pediram aos participantes da competição que usassem inteligência artificial para maximizar a produção de pepino, minimizar recursos e fazer isso remotamente.

Nove meses depois, a equipe Sonoma da Microsoft Research, liderada pelo engenheiro chefe de pesquisa Kenneth Tran, derrotou quatro outras equipes interdisciplinares para vencer o Desafio da Estufa Autônoma, criando um agente que produziu mais de 55 quilos de pepino por metro quadrado com um lucro líquido de cerca de R$ 106/m².

“Esta foi a primeira vez em todo o mundo que os pepinos foram cultivados remotamente em estufas com IA”, diz o coordenador do desafio, Silke Hemming. “Nós da Wageningen University & Research ficamos empolgados em colaborar com diferentes equipes neste emocionante desafio internacional. A equipe Sonoma foi capaz de bater a referência de crescimento manual registrada por bons produtores holandeses. Eles não só alcançaram o maior lucro líquido, como o júri os classificou no ponto mais alto em sustentabilidade total.”

Com um lucro líquido 17% maior, a Sonoma foi a única equipe de IA a superar os especialistas de referência em cultivo. Seu lucro líquido foi também 25% superior ao apurado pela equipe que ficou em segundo lugar, liderada por pesquisadores do Tencent AI Lab. O lucro líquido foi o item que mais contribuiu para o desempenho geral na competição, enquanto a novidade e a capacidade do algoritmo representaram 30%, e a sustentabilidade – baseada na eficiência de uso de energia, água, CO2 e pesticidas – representou 20%.

Uma jornada maior

Para Tran e a Microsoft, o trabalho demonstrado na competição é parte de um compromisso maior com a implantação de tecnologias de nuvem, Internet das Coisas e IA para proteger e sustentar o planeta e seus recursos naturais. Em julho de 2017, a Microsoft lançou o AI for Earth para apoiar indivíduos e organizações que trabalham na água, agricultura, biodiversidade e mudanças climáticas com subsídios, educação e outras colaborações. A abordagem estratégica e o financiamento da iniciativa foram ampliados desde então, e os ganhos obtidos, especialmente na área da agricultura baseada em dados, foram impressionantes. O FarmBeats está entre os projetos que recebem reconhecimento por seu impacto, e Tran e outro membro da equipe Sonoma, o engenheiro de software de pesquisa sênior Chetan Bansal, também são colaboradores desse trabalho.

Enquanto o FarmBeats melhora a coleta de dados ao ar livre com sensores, drones e outros dispositivos para uma agricultura mais sustentável, o trabalho da equipe Sonoma reside na agricultura em ambiente controlado (CEA, na sigla em inglês), um sistema fechado de agricultura que permite aos produtores determinar e executar configurações ideais para fatores ambientais como luz, temperatura, umidade e concentração de CO2.

O interesse de Tran na CEA como área de pesquisa foi despertado em 2017, cerca de um ano antes de ele ter ouvido falar sobre o Desafio da Estufa Autônoma. Como membro do grupo de Aprendizado por Reforço no Microsoft Research AI, ele e seus colegas exploram o potencial da tecnologia de aprendizado de máquina para aplicações no mundo real. Não só a capacidade da CEA de ter um impacto significativo – um meio mais eficiente e acessível para atender às demandas nutricionais da população da Terra –, mas também é um ótimo campo de treinamento para modelos de aprendizado por reforço. A CEA oferece cenários contidos nos quais trabalhar e uma abundância de dados, cuja coleta é relativamente rápida e fácil graças à tecnologia de sensoriamento e IoT.

“O estado da arte da aprendizagem por reforço é notoriamente faminto por dados, por isso é fundamental que nos concentremos em novos algoritmos eficientes em termos de amostras”, diz Tran. “Para fechar mais rapidamente a lacuna, no entanto, também precisamos de ambientes onde possamos coletar muitos dados de forma fácil e acessível.”

Equipe Sonoma e colaboradores
Tran (no centro) com colaboradores da Sananbio em uma fazenda vertical dentro da fábrica da empresa em Xiamen, na China.

O foco da aplicação da Sonoma – nome do projeto de Tran e seus colegas na área e também nome da equipe do Desafio – tem sido estufa e agricultura vertical, as quais têm potencial para uma produção de alimentos mais rápida e segura com menos uso de recursos que foram literalmente a base da agricultura tradicional: terra e água. De acordo com o site da competição, o cultivo interno como estufa e agricultura vertical pode reduzir as necessidades de água em até 90%, precisa de um décimo do espaço para produzir a mesma quantidade de culturas tradicionais, e pode prosperar com menos pesticidas e produtos químicos. Essa solução promissora exige uma força de trabalho de especialistas em agricultura interna que pode ser superada pela demanda por agricultura interna, então, Tran tornou o objetivo da Sonoma ajudar a criar autonomia no espaço.

“A IA pode ajudar tanto a expandir o conhecimento especializado em países desenvolvidos, como a Holanda, quanto os países em desenvolvimento, mas também a desenvolver os produtores especialistas”, diz Tran.

Para alcançar o objetivo da Sonoma, Tran emprega o que ele descreve como uma abordagem de baixo para cima, de cima para baixo.

“Com ‘de baixo para cima’, queremos dizer fazer uma pesquisa inovadora em aprendizado por reforço, a pesquisa fundamental em aprendizado por reforço, e também fazer a pesquisa centrada em aplicativos simultaneamente”, explica ele. “A pesquisa sobre aprendizado por reforço aplicável ainda está em fase muito inicial, portanto, há muito espaço para novas pesquisas. Para o aspecto ‘de cima para baixo’, nossa abordagem é buscar a colaboração com especialistas em todo o mundo.”

Os membros do projeto Sonoma refletem essa filosofia: Tran e Bansal, ambos da Microsoft Research, representam o lado da IA. No lado da ciência das plantas e de institutos parceiros estão o cientista Xiuming Hao, da Agriculture and Agri-Food Canada (AAFC), e Chieri Kubota, professor de agricultura de ambiente controlado na Universidade do Estado de Ohio, EUA, entre outros colaboradores.

Uma competição ao longo do caminho

Foi a forte crença de Tran no poder da colaboração que levou a equipe Sonoma ao Desafio da Estufa Autônoma. Ele visitou a Wageningen University & Research – uma parceira líder na produção de alimentos – em março de 2018 para explorar oportunidades de colaboração. Durante a reunião, seus colegas de Wageningen mencionaram o desafio, e ele o trouxe para sua equipe na Microsoft Research. Eles estavam todos intrigados.

“Começamos a ler sobre a competição e nos empolgamos”, lembra Tran. “Foi uma ótima oportunidade para molhar os pés rapidamente. Já havia um forte compromisso de vários participantes importantes na área – a Wageningen University & Research, a Tencent, a Intel, e a Delphy e a AgroEnergy, entre eles – trabalhando com uma meta e uma visão compartilhadas. Além disso, havia apoio garantido da equipe da Wageningen durante a competição.”

E a equipe Sonoma foi formada: Tran, do laboratório da Microsoft Research em Redmond; Bansal, do laboratório da Microsoft Research na Índia; Thomas Follender Grossfeld e Vincent van Wingerden da Microsoft Holanda; David Katzin, doutorando em Wageningen; e Hong Phan, doutorando da Universidade de Copenhague. Sonoma foi uma das cinco equipes selecionadas de um grupo de 15 para o evento principal após um “hackathon” pré-competição que incluiu um desafio virtual e uma apresentação de sua abordagem.

Cada equipe recebeu 96 metros quadrados de área de estufa no campus da Wageningen University & Research em Bleiswijk, na Holanda. Cada estufa foi equipada com o mesmo sistema de atuadores, incluindo ventilação, aquecimento e iluminação artificial, e sensores para medir, entre outras coisas, temperatura, umidade e consumo de energia. As equipes também foram autorizadas a instalar sensores adicionais e equipamentos de monitoramento.

A Sonoma instalou câmeras extras, mas apenas um sensor adicional – um sensor de umidade das folhas, que não estava entre os pré-instalados. A equipe escolheu o sensor para monitorar melhor a umidade e o orvalho, dois fatores que levam a pragas e doenças prejudiciais à cultura. As equipes podiam entrar em sua estufa apenas uma vez, para montar suas câmeras e sensores extras. Ao longo da competição, de 1º de setembro a meados de dezembro, eles administraram seus frameworks de IA remotamente.

Mas para Bansal, a distância do local da coleta de dados não foi tão desafiadora quanto os meios de coleta de dados em si. A equipe precisava criar um sistema que pudesse dar conta da lei de Murphy – o que pode dar errado vai dar errado.

“Os dados vêm de várias fontes – há caixas de sensores, câmeras, a API sendo usada pela estufa”, diz Bansal. “Todos eles podem falhar e falharam, então a questão é como você pode detectar a falha e com que rapidez pode reagir.”

“Tivemos que lidar com todos esses problemas e projetar um sistema que fosse resiliente a todos eles, mas acho que isso faz parte do projeto de qualquer sistema de controle do mundo real”, acrescentou Bansal.

Fluxograma do projeto Sonoma.

A abordagem de IA da Sonoma

A Sonoma optou por construir seu framework em torno do aprendizado por reforço (RL, na sigla em inglês), baseado em modelos bayesianos.

“Apostamos no modelo baseado em RL porque achamos que ele é eficiente em amostras e generalizável”, diz Tran. “A eficiência da amostra é fundamental para aplicativos do mundo real. Os algoritmos de RL padrão exigem um grande número de tentativas – na casa dos milhões – para treinar um bom agente, mesmo em ambientes simples. Este não é um grande problema em jogos, onde o RL mostrou sucesso, porque um agente pode jogar quantos jogos precisar. Em aplicações do mundo real, não podemos nos dar ao luxo de executar milhões de tentativas fracassadas. Então, precisamos pensar de maneira diferente sobre RL.”

Para que o aprendizado de reforço seja uma solução viável para os desafios sociais atuais, a equipe determinou que o agente deve ser inicializado de maneira tão forte quanto qualquer sistema existente e ter a capacidade de aprender e melhorar ao longo do tempo, sem limites para sua capacidade de atingir a otimização e conceber um framework (veja acima) incorporando esses recursos.

O framework começa treinando um modelo de dinâmica probabilística. Esse modelo de aprendizagem é análogo à construção de um simulador, que ajuda o agente a planejar imaginando. Além disso, por meio de aprendizado de imitação, o agente é inicializado para funcionar como uma política especializada existente. A partir daí, o agente operará em um processo contínuo de otimização de políticas baseado em modelos, melhorando seu desempenho geral com todas as interações ambientais.

Integrantes da equipe Sonoma na estufa.
A partir da esquerda: Xiuming Hao, cientista; Shalin Khosla, especialista em horticultura em estufas, e Tran, no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Agriculture and Agri-Food Canada, em Ontário.

Para o desafio, os dados de toda a estufa, tais como as condições meteorológicas e dos sensores e imagens foram introduzidos no agente, que determinou então a intensidade e a distribuição da iluminação artificial; a quantidade de água, CO2 e nutrientes para dar às plantas; e a temperatura da estufa. As configurações que o framework escolheu com base no que aprendeu resultaria na maior parte da biomassa.

“A equipe incorporou com sucesso o melhor conhecimento e as melhores práticas atuais sobre cultivo e manejo de culturas e controle ambiental de estufa em seu sistema de controle de IA de estufas”, diz Xiuming Hao, cientista pesquisador do Agriculture and Agri-Food Canada que colabora com o projeto Sonoma. “A equipe começou com um sistema de alta densidade de plantas identificado a partir de dados de modelos anteriores e ajustou o controle climático de IA com base no desempenho da safra e condições climáticas durante o período de cultivo para permitir o melhor desempenho deste sistema de alta densidade/alta produção.”

Tran descreve a estratégia da equipe como conservadora. A configuração da competição permitia apenas uma tentativa, e não havia muitos dados antes do desafio; por causa disso, sua estratégia baseou-se apenas em uma política especializada feita manualmente, sem recorrer ao aprendizado por reforço para o aprendizado e melhoria contínuos – por enquanto.

“Trabalhando com especialistas e alavancando seu conhecimento, da mesma forma que as capacidades de nosso agente de inteligência artificial, conseguimos obter melhores resultados em um curto espaço de tempo”, diz Tran. “E isso é apenas o começo; há muito espaço para crescimento, literal e figurativamente.”

Foto do topo: Da esquerda para a direita: Thomas Follender Grossfeld, Kenneth Tran, Chetan Bansal e David Katzin da equipe Sonoma.

Tags: , ,

Posts Relacionados