Ensinando como aprender: mentorias de Inteligência Artificial podem mudar a educação?

Por Michel van der Bel

Não é nenhum segredo que a Inteligência Artificial (IA) tem o potencial de transformar a vida de indivíduos e organizações.

Os seres humanos e as máquinas estão começando a trabalhar lado a lado para conquistar coisas incríveis, combinando os pontos fortes da IA, no processamento de dados e no poder computacional, com nossa empatia natural e habilidades criativas.

Acredito que as empresas de maior sucesso serão aquelas que adotam o poder da IA, mas suas capacidades vão além das aplicações industriais e comerciais. Estamos agora percebendo também como a IA tem o potencial de impulsionar a evolução da educação.

Recentemente, tive o prazer de conversar com o professor Andrea Sianesi, Reitor do MIP – a Escola Internacional de Negócios da universidade italiana Politecnico di Milano –, sobre a FLEXA, nova plataforma de mentoria pessoal de IA da escola, projetada para adaptar experiências, conexões e materiais de aprendizado individualmente para cada aluno.

Nossa conversa é apresentada abaixo, e espero que a discussão ofereça a você tantos insights quanto para mim.

Michel van der Bel, Vice-presidente Corporativo da Microsoft EMEA
Como Vice-presidente Corporativo da Microsoft EMEA (Europa, Oriente Médio e África), trabalho com 20.000 colaboradores em 32 subsidiárias com uma única visão: ajudar os clientes a se transformarem para competir em um mundo onde a inovação tecnológica está cada vez mais próxima do coração de todos os negócios. Trabalhei com três CEOs ao longo de 20 anos e presenciei como eles desenvolvem a cultura ao seu redor. Aprendi que as pessoas só conseguem obter seu melhor desempenho se puderem colaborar em um ambiente que incentive o empoderamento, e é por isso que acredito que a cultura é tão vital para toda organização.

Professor Andrea Sianesi, Reitor do MIP Politecnico di Milano Graduate School of Business
Além do meu papel como Reitor, sou pesquisador e professor no Politecnico di Milano, envolvido no ensino do curso de Engenharia de Gestão (bacharelado e mestrado). Meu foco é na Gestão de Operações e da Cadeia de Fornecimento, e sou autor de vários livros e publicações científicas focados nestes tópicos. Também sou membro do conselho de duas empresas de médio porte no setor de manufatura. Como professor e Presidente do MIP, busco continuamente ideias e oportunidades para melhorar o desempenho da minha escola.

MvdB: Como o aprendizado mudou? Como você se adapta às mudanças em como as pessoas querem aprender e progredir em suas carreiras?

AS: O aprendizado mudou de maneira drástica recentemente. No passado, enfatizávamos as técnicas de ensino, porque os alunos estavam dispostos a aprendê-las para aplicá-las no mercado de trabalho. Agora, essas técnicas podem ficar obsoletas em breve, e o foco dos nossos métodos de ensino está agora mais na abordagem. Nós tentamos ensinar como aprender. Voltamos ao básico, aos pilares eternos do aprendizado.

MvdB: Ensinar como aprender – foi assim que o conceito da FLEXA nasceu?

AS: A ideia por trás da FLEXA é desenvolver algo que podemos descrever como um mentor pessoal. A ideia é oferecer mentoria individual, ajudando o aluno a ser muito mais seletivo na busca das informações necessárias para ajudá-lo a se desenvolver, de modo que a mentoria inclua recomendações sobre o conteúdo do aprendizado. Não apenas vídeos, mas também eventos e atividades para participar.

Também percebemos que o espectro de requisitos que um único indivíduo pode ter é grande demais para o portfólio de conhecimento que está na escola. Percebemos que precisávamos ser capazes de fazer com que nossos alunos pudessem acessar conteúdo externo. A solução foi a IA.

A FLEXA tem diferentes pilares. Um deles é o paradoxo da escolha. Vivemos em um mundo sobrecarregado de informações e com pouco tempo. Sermos seletivos sobre como utilizamos nossa atenção é algo benéfico. Precisamos ser seletivos de uma maneira inteligente e somente a IA pode fazer isso. Avançando, uma das funções do professor é ensinar à IA os critérios que ela precisa para ser seletiva.

O segundo pilar é a conectividade. A teoria do aprendizado que enfatiza a função dos contextos social e cultural em como e quando o aprendizado acontece. O aprendizado não acontece simplesmente dentro de um indivíduo, mas dentro e através das redes entre os indivíduos.

Isso tem um impacto dramático no futuro das escolas de negócios. A escola de negócios, de acordo com esses pilares, precisa evoluir do local do know how para o local onde existe alguém que saiba como encontrar o acesso ao know how. Não acredito que qualquer escola de negócios possa ter todo o conhecimento necessário para que um aluno melhore sua carreira. É preciso coletar informações fora da escola de negócios e validar e avaliar essas informações antes de apresentá-las aos alunos.

MvdB: A FLEXA permite que os estudantes se comparem aos perfis do mercado de trabalho – isso parece uma maneira de ajudá-los a se preparar para o mercado muito orientada para o futuro, em vez da lacuna entre o que você aprende e a esperança de possuir uma boa compatibilidade no mercado. É isso?

AS: A FLEXA pode definir as lacunas que os alunos precisam abordar para passar do ponto de partida para o objetivo desejado. O papel da IA é fornecer todas as informações e recursos necessários para completar esta jornada de aprendizado.

MvdB: Nas palavras de Hari Krishna Arya: “Os professores não serão substituídos pela tecnologia, mas os que não usam tecnologia serão substituídos por aqueles que a utilizam”. Qual é a sua opinião sobre essa citação, especialmente considerando a FLEXA?

AS: Concordo. Em 2014, começamos a integrar um protótipo para a FLEXA, baseado em uma plataforma de aprendizado que desenvolvemos com a Microsoft. Isso atrapalhou nosso corpo docente, mas a maioria dele sentiu-se engajado por estas novas metodologias de ensino. Tópicos como liderança e habilidades comportamentais, no entanto, ainda exigem uma forte interação com os alunos.

MvdB: Trabalhando em uma empresa como a Microsoft, vejo que essas habilidades comportamentais estão se tornando habilidades técnicas. Temos esse conceito de mentalidade de crescimento que coloca o aprendizado no centro de tudo. A FLEXA poderia ser utilizada para educar as pessoas dentro das organizações, de modo a ajudá-las no desenvolvimento profissional, além do ambiente acadêmico?

AS: Nós estruturamos o lançamento da FLEXA em três diferentes ondas. A primeira onda tem como alvo o indivíduo – os alunos e os ex-alunos. A segunda é uma onda intermediária que está começando nas comunidades. A terceira onda, que estará pronta em um ano, tem como alvo as corporações. A ideia é que, usando a FLEXA, seja possível compartilhar conhecimento e melhores práticas entre seus colaboradores, e isso é algo que é projetado para, por um lado, indivíduos que desejam progredir em suas carreiras.

Voltando às habilidades comportamentais, é verdade que elas estão se tornando habilidades técnicas – você precisa ser capaz de liderar por trás. Isso é algo que permanecerá como uma habilidade comportamental.

MvdB: Acredito que se o seu áudio não se encaixa com o vídeo, entre o que você diz e o que você faz, seu estilo de liderança ficará obsoleto em breve. Acho que essas pequenas coisas diariamente levam a grandes coisas a longo prazo – é assim que a combinação de habilidades comportamentais/técnicas se torna a força da mudança.

Qual conselho você dá aos jovens sobre as soluções de IA que estarão conosco pelo resto de nossas vidas?

AS: Muitas crianças que estudam agora provavelmente terão, no futuro, um emprego que hoje não existe, o que dificulta o aconselhamento. Acredito que os modelos de aprendizado são mais úteis do que as técnicas. Meu conselho é buscar os modelos de aprendizado – tentar voltar ao básico.

MvdB: Você pode dar um exemplo de um modelo de aprendizado?

AS: O modelo de aprendizado é a abordagem que você adota para melhorar seu conhecimento. Por exemplo, um modelo de aprendizado para estudar chinês envolve a visualização de símbolos e a vinculação dos símbolos aos seus significados. Para o inglês, o modelo é diferente. Se eu ler uma palavra em inglês, ela pode ser imediatamente traduzida para outra palavra em italiano. Existe uma relação direta entre o que você lê e o resultado da tradução, enquanto no estudo do chinês se trata de um relacionamento de ponta a ponta.


 
MvdB: Cabe aos líderes dar às pessoas o caminho que precisam seguir, mas isso precisa começar com o próprio indivíduo. Minha teoria é que se você não consegue liderar a si mesmo em tempos de mudança, então como poderá liderar os outros em tempos de transformação?

AS: É necessário ter suporte externo durante a transformação. Eu não seria capaz de mudar meu estilo de liderança sem treinamento ou influência externos.

MvdB: Os líderes não podem simplesmente dizer às pessoas para fazerem as coisas de maneira diferente, porque cada pessoa é diferente. O que eu vejo começando a funcionar é a combinação de liderança e mudança cultural realmente se tornando uma força para a capacitação e para as pessoas se sentirem empoderadas para mudar.

AS: Valores e contexto são importantes. Por exemplo, na minha escola, a inovação está no DNA da maioria das pessoas. Isso facilita a atração pela inovação. Como líderes, devemos ser ambidestros – devemos ser contemporâneos, inovadores e, ao mesmo tempo, capazes de administrar as operações do dia a dia. Essa é a parte mais difícil. Há algumas coisas que requerem uma abordagem padronizada, enquanto outros tópicos, pelo contrário, exigem coragem para mergulhar em algo desconhecido.

MvdB: Todo mundo está aprendendo isso agora – não existe um manual. No passado, tudo era sobre o “o quê”, e agora é sobre o “o quê” e o “como”. Como você ajuda as pessoas a serem bem-sucedidas no “o quê” e no “como” – este é um tópico muito importante.

Voltando à FLEXA, como nasceu essa ideia? Como você começou a trabalhar com IA?

AS: Nossos clientes – as pessoas que frequentam o curso – pedem, basicamente, duas coisas de nós. Uma delas é como podemos acelerar suas carreiras. A outra é como podemos preencher suas lacunas individuais específicas de habilidades, que são diferentes das do resto de seus colegas.

Para atender a essas necessidades, é necessário mudar para uma experiência de aprendizado mais personalizada. Quando começamos a pensar em como poderíamos implementar essa ideia, imediatamente percebemos que não ela era acessível pelas abordagens tradicionais – não era possível individualizar o ensino –, então utilizamos a tecnologia.

No começo, sentimos que nossa ideia de aprendizado era futurista demais, mas, pelo contrário – não conseguimos determinar com precisão a viabilidade ou as tecnologias que precisávamos para implementá-la, então conversamos com a Microsoft e descobrimos que era possível. Foi um momento profundo.

MvdB: Como você combina honrar o passado com abraçar o futuro? Acho que a FLEXA é um ótimo exemplo disso, mas como você pensa a longo prazo? Como você garante que está nos dois mundos?

AS: Na Itália, estamos expostos desde o início de nossas vidas a essa combinação de artes, cultura e tecnologia. Estamos acostumados a trabalhar em conjunto com designers, arquitetos e cientistas. Acredito que essa combinação é única em nosso país e em nossa escola, então combinar tecnologia com cultura artística e administração é algo que eu acho que sobreviverá.

Tags: , , , ,

Posts Relacionados