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Ashley Colburn, terapeuta de reabilitação visual, mostra dispositivos Braille atualizáveis de Steven DeAngelis.

Ideias vindas do coração ajudam a viabilizar empregos para pessoas com deficiência

Kim Charlson tinha 11 anos quando começou a perder a visão por causa do glaucoma. Um ano e meio depois, uma operação não só não a ajudou, como resultou em complicações que apressaram sua cegueira.

Seus pragmáticos pais insistiram que ela aprendesse Braille, a chave da alfabetização para pessoas cegas ou com baixa visão. Sem essa alfabetização, Charlson provavelmente não teria feito faculdade ou carreira. Apenas 13% dos estudantes cegos nos Estados Unidos conhecem Braille, e cerca de 70% dos adultos cegos ou com baixa visão estão desempregados.

Essas estatísticas preocupantes são uma das razões pelas quais Charlson está animada com um aplicativo que ajudará a aumentar a quantidade de tempo que os alunos podem despender aprendendo e praticando Braille. A ObjectiveEd, empresa que desenvolve o aplicativo Braille AI Tutor, é uma nova beneficiária das subvenções do programa AI for Accessibility da Microsoft, destinado a pessoas que usam a tecnologia de inteligência artificial para tornar o mundo um lugar mais inclusivo. Anunciadas em conjunto no Mês Nacional de Conscientização sobre o Emprego para Pessoas com Deficiência, a City University of London, inABLE, iMerciv  e The Open University também estão entre as 11 organizações que ingressam no programa.

“Temos uma enorme oportunidade e a responsabilidade de tornar a tecnologia mais inteligente e mais útil para pessoas com deficiência”, diz Mary Bellard, arquiteta sênior da Microsoft, líder em acessibilidade. O objetivo do programa AI for Accessibility, que começou em 2018 e agora conta com 32 beneficiários, é ajudar as pessoas a “construir algo realmente útil na interseção de IA, acessibilidade e deficiência”.

O aplicativo Braille AI Tutor é o mais recente projeto do presidente da ObjectiveEd, Marty Schultz, desenvolvedor de software de longa data e professor voluntário que criou um jogo para crianças cegas no iPhone há cinco anos, chamado Blindfold Racer. Esse primeiro título o levou a criar mais de 80 jogos para iPhone e iPad, baixados mais de meio milhão de vezes.

Se você tiver apenas uma hora por semana com o professor – quero dizer, quantas crianças aprenderiam a ler um texto impresso se tivessem apenas uma hora por semana de instrução?

Charlson, ex-presidente do Conselho Americano de Cegos, é uma grande fã de seu trabalho. O mesmo acontece com Judy Dixon, diretora de relações com o consumidor do Serviço Nacional de Bibliotecas para Cegos e Deficientes Físicos, e as duas mulheres costumavam conversar com ele sobre a importância da educação em Braille para a alfabetização e o emprego. Schultz levou isso a sério – e à prancheta.

Alguns alunos cegos ou com baixa visão frequentam escolas voltadas às suas necessidades e onde o Braille é ensinado e usado diariamente. Mas muitos frequentam escolas públicas e aprendem Braille com professores que visitam suas escolas uma vez por semana, passando cerca de uma hora com cada aluno.

Marty Schultz e Kim Charlson.
Marty Schultz, da ObjectiveEd, com Kim Charlson, ex-presidente do Conselho Americano de Cegos. (Foto: ObjectiveEd)

“Se você tiver apenas uma hora por semana com o professor – quero dizer, quantas crianças aprenderiam a ler um texto impresso se tivessem apenas uma hora por semana de instrução?”, diz Charlson. “Não é suficiente. Você precisa mergulhar nesse estágio de desenvolvimento, ou não será tão fluente quanto precisa quando adulto.”

O aplicativo Braille AI Tutor incorporará o reconhecimento de fala baseado em IA, usando a API de fala do Azure, para ajudar os alunos a praticar a leitura em Braille com planos de aprendizado personalizados e gamificados. O aplicativo enviará uma palavra ou frase para uma tela Braille atualizável, um dos tipos de hardware usados ​​para a leitura. O aluno sentirá a palavra em Braille, dirá a palavra ou frase em voz alta e, em seguida, o aplicativo processará o feedback de áudio e informará imediatamente se está correto ou não.

Os professores poderão monitorar o progresso dos alunos, uma vez que os resultados são enviados para um painel na web.

“Consideramos nosso papel não ensinar o aluno, mas dar a ele a capacidade de praticar quando o professor não estiver por perto”, diz Schultz. “O professor ensina, e tornamos a prática divertida e envolvente, algo que pode ser feito sem que o professor esteja lá. Então, na próxima vez que o aluno se encontrar com o professor, ele terá feito algum progresso real.”

Schultz diz que a prática extra ajudará os alunos a “evoluir mais rapidamente na escola, o que levará à faculdade e a oportunidades de emprego muito melhores no futuro”.

Arjun Mali e Bin Liu.
Arjun Mali, à esquerda, e Bin Liu da iMerciv têm membros da família com perda de visão. (Foto: iMerciv)

Dois amigos de longa data que assistiram seus entes queridos passarem pela perda de visão encontraram outra maneira de apoiar os deficientes: usar a tecnologia para ajudar as pessoas a trabalhar ou a circular pelas cidades.

Bin Liu e Arjun Mali são de diferentes partes do mundo, mas suas vidas seguiram caminhos paralelos. Liu, nascido na China, mudou-se aos 9 anos de idade com sua família para Gaborone, Botsuana, por vários anos por causa do trabalho de seu pai como engenheiro civil. Mali passou parte de sua infância na Índia e nos Emirados Árabes Unidos, onde seu pai trabalhou por um tempo em vendas de redes de fibra óptica.

Cerca de dez anos atrás, o pai de Liu foi diagnosticado com glaucoma inoperável. A avó de Mali na Índia tinha visão parcial, e ele às vezes a acompanhava a uma escola local para cegos, onde ela se ofereceu como voluntária para ler e ensinar inglês para as crianças.

Os dois estavam na universidade quando se conheceram em Toronto, Canadá, e se tornaram amigos jogando pôquer. Costumavam falar sobre algumas das frustrações e indignidades enfrentadas por pessoas cegas ou com baixa visão e do desejo de encontrar maneiras de melhorar sua mobilidade.

“A perda de visão afetou nossas famílias e vimos uma oportunidade de criar uma solução tecnológica que impactaria essa comunidade”, diz Mali, que se formou em economia pela McMaster University, em Ontário.

Liu, que é formado em engenharia civil pela Universidade de Toronto, estava procurando por dispositivos que pudessem ajudar seu pai a vencer obstáculos com mais precisão com sua bengala, e diz que não encontrou muita coisa. Liu e Mali desenvolveram seu primeiro produto juntos, o BuzzClip. Trata-se de um dispositivo vestível que pesa 2 onças (56,7 gramas), usa ultrassom para detectar obstáculos no caminho de uma pessoa e alerta o usuário com diferentes vibrações e frequências.

A perda de visão afetou nossas famílias e vimos uma oportunidade de criar uma solução tecnológica que impactaria essa comunidade.

No início, a dupla recebeu apoio do Impact Center, a aceleradora de startups da Universidade de Toronto, e em 2014 eles formaram sua empresa, a iMerciv, Inc.

Agora entre os mais novos beneficiários do AI for Accessibility, a iMerciv desenvolve um aplicativo de navegação chamado MapinHood para pedestres cegos ou com baixa visão que desejam escolher as rotas a seguir se estiverem caminhando para o trabalho ou para qualquer outro destino.

O aplicativo alertará audivelmente uma pessoa sobre os perigos – da construção às áreas de alta criminalidade – a evitar ao caminhar, além de informar sobre o que pode ser necessário, como fontes de água, bancos ou rampas. Tudo é baseado em aprendizado de máquina, dados de crowdsourcing e informações de código aberto da polícia local.

Especialistas em mobilidade testam áudio em Toronto.
Da esquerda para direita, Vanessa Bourget, estagiária de orientação e mobilidade do Instituto Nacional Canadense para Cegos (CNIB); Mark Rankin e Emily Baarda, especialistas em orientação e mobilidade do CNIB; e Yusup Mollayev, vice-presidente de dados e análises da iMerciv, em Sherwood Park, Toronto, Ontário, onde testavam prompts de áudio de geotags salvas, como bancos, no aplicativo MapinHood. (Foto: iMerciv)

Os sistemas de navegação atuais, em geral, são otimizados para gerar rotas mais rápidas ou mais curtas para chegar a um destino, mas Liu diz: “esse nem sempre é o melhor caminho para pedestres com deficiência”, tentando encontrar o melhor caminho a pé para ir ao escritório, lojas ou parques, por exemplo.

O aplicativo está agora nos estágios alfa de teste com a ajuda do Instituto Nacional Canadense para Cegos, sem fins lucrativos, que também trabalhou com a iMerciv no BuzzClip. O aplicativo usa o mecanismo de roteamento personalizado do iMerciv e, com a subvenção do AI for Accessibility, usará o aprendizado de máquina, armazenamento e máquinas virtuais do Azure.

O MapinHood em Toronto também será um modelo para o aplicativo em outras cidades.

“Nosso foco está na personalização, tornando o aplicativo o mais flexível e personalizável possível”, diz Liu. “Porque com a navegação para pedestres em geral – e especialmente para pessoas com deficiência – você não pode ter uma solução única que atenda a todas as necessidades.”

Claire Barnett, Nilanjan Sarkar, Josh Wade e Michael Breen.
Da esquerda, no sentido horário, Claire Barnett, Nilanjan Sarkar, Josh Wade e Michael Breen, da Universidade Vanderbilt. (Foto: Joe Howell/Universidade Vanderbilt)

Para pessoas com autismo, às vezes o maior obstáculo ao emprego é a entrevista. Esse é o foco de Nilanjan Sarkar. Um membro da família – o filho de um primo – tem autismo e, ao fazer pesquisas iniciais, Sarkar aprendeu que as pessoas no espectro do autismo às vezes respondem melhor quando lidam com sistemas inteligentes, como chatbots, em vez de pessoas.

Sarkar, diretor do Laboratório de Robótica e Sistemas Autônomos da Universidade Vanderbilt, no Tennessee, EUA, agora lidera um projeto que visa ajudar as pessoas com autismo a terem um bom desempenho em entrevistas de emprego usando sistemas inteligentes. O Career Interview Readiness in Virtual Reality (CIRVR) está sendo desenvolvido em conjunto com o Frist Center for Autism & Innovation da Universidade Vanderbilt, e ingressou no programa AI for Accessibility no início deste ano.

Nos EUA, existem aproximadamente 2,5 milhões de adultos no espectro do autismo, diz Sarkar. “Sessenta por cento ou mais deles podem fazer algum trabalho. No entanto, 85% das pessoas capazes de trabalhar estão subempregadas ou desempregadas.”

Este sistema busca ajudar as pessoas a estar mais bem preparadas quando saem para uma entrevista.

O CIRVR é uma plataforma de entrevista de emprego em realidade virtual que usa a IA do Azure e incorpora um avatar de computador que atua como entrevistador, um dispositivo vestível que rastreia as medidas fisiológicas dos entrevistados, como frequência cardíaca e sudorese, para inferir sua ansiedade usando técnicas de aprendizado de máquina e um rastreador ocular para avaliar a atenção.

“Este sistema reunirá quantitativa e objetivamente muitos dados sobre a ansiedade, para onde eles estão olhando, contato visual, como estão respondendo, o que deveriam ter feito – e acreditamos que podemos criar um sistema de feedback para que, praticando repetidamente, eles melhorem suas habilidades de entrevista”, diz Sarkar.

“As pessoas com autismo às vezes gostam de interagir com coisas que respondem de maneira rotineira e previsível”, diz Sarkar. “Resposta humana, interações humanas não são previsíveis, e isso pode ser confuso.”

Muitas vezes, ele diz, perguntas abertas como “Você pode me contar sobre um caso em que resolveu um conflito?” ou “Como você ajudou um colega de equipe?” podem criar ansiedade. Os testes também podem ser feitos com urgência, como solicitar a solução rápida de um problema de programação.

Ficar nervoso em uma entrevista de emprego não é exclusivo da comunidade autista, mas Sarkar espera que uma ferramenta como o CIRVR possa ajudar a impedir que alguém fique tão desanimado que deixe de ir a entrevistas de emprego. Isso pode ajudá-los a praticar e se familiarizar mais com o compartilhamento de experiências e pontos fortes do local de trabalho.

Sarkar diz que o teste do CIRVR já começou e fornecerá feedback aos entrevistados para que eles possam praticar como melhorar o modo como lidam com as entrevistas. Os resultados gerais também serão avaliados quanto às tendências que possivelmente serão compartilhadas com os gerentes de contratação de empresas interessadas, para que eles aprendam a modificar sua estrutura de entrevistas ou a fazer perguntas de maneira diferente, se necessário, diz Sarkar.

“Presumimos que a estrutura do protocolo de entrevistas não mudará da noite para o dia”, diz ele. “Portanto, este sistema visa ajudar as pessoas a estar mais bem preparadas quando elas saem para uma entrevista.”
Todos os beneficiários do AI for Accessibility “têm muita paixão e conhecimento na área de tecnologia acessível”, diz Bellard, da Microsoft.

“O potencial que existe para software ou hardware atender às necessidades das pessoas com deficiência e elevar o patamar do que os clientes podem esperar do papel que a tecnologia pode desempenhar em suas vidas é uma oportunidade incrível.”

Saiba mais sobre as subvenções do AI for Accessibility e sobre o programa de contratação de autistas da Microsoft.

Imagem principal: Ashley Colburn, terapeuta de reabilitação visual, mostra dispositivos Braille atualizáveis a Steven DeAngelis, de 11 anos, no Carroll Center for the Blind em Newton, Massachusetts, EUA. (Foto: Dan DeLong)