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Joel Shamaskin e sua esposa, Ann

Pacientes com ELA compartilham seus dados em um esforço para acabar com a doença

Talvez, pensou Joel Shamaskin, ele estivesse trabalhando muitas horas sem dormir o suficiente. Não seria algo incomum para o médico veterano do Centro Médico da Universidade de Rochester.

A mudança foi sutil, aconteceu ao longo de alguns meses. Às vezes, quando ele contornava a mesa de exame do paciente, suas pernas não avançavam com a mesma rapidez e suavidade com que estava habituado.

Testes neurológicos realizados na primavera de 2016 revelaram que ele tinha ELA (esclerose lateral amiotrófica). Ele ficou em choque com o diagnóstico – mas também determinado a ver que algo de bom viria disso. Atualmente, Shamaskin é um dos quase 1.000 pacientes de ELA de todos os Estados Unidos que participam de um grande projeto que pode oferecer mais esperança de encontrar uma cura.

“Senti que lidaria com isso de forma tão proativa quanto pudesse em busca de potenciais novos tratamentos e ensaios de pesquisa”, diz ele. “Saber que isso vai ajudar os outros é um motivador.”

Chamado Answer ALS (Resposta a ELA), o projeto tem a missão de construir a mais abrangente coleção de dados clínicos, genéticos, comportamentais, moleculares e bioquímicos de pacientes com ELA. Com a ajuda de inteligência artificial e aprendizado de máquina, os pesquisadores poderão analisar os dados para descobrir novos insights sobre as causas da ELA e desenvolver possíveis tratamentos terapêuticos.

A Microsoft está investindo US$ 1 milhão em recursos de computação em nuvem para a organização sem fins lucrativos, o que tornará seu enorme repositório de dados valiosos disponível para pesquisadores em todo o mundo.

Todos esses dados são importantes, porque ainda não há cura. A esclerose lateral amiotrófica é uma doença progressiva que ataca as células nervosas que controlam os músculos por todo o corpo. Com o passar do tempo – para muitos, entre alguns anos e 10 anos –, a doença fatal rouba das pessoas sua capacidade de andar, de usar os braços e as mãos, de falar e, finalmente, de respirar de forma independente.

Joel Shamaskin, sua esposa, dra. Ann Shamaskin, e seus netos
O médico aposentado Joel Shamaskin, sua esposa, dra. Ann Shamaskin, e seus netos em 2018. “Com a enorme quantidade de dados que o Answer ALS será capaz de analisar, os pesquisadores devem revelar algumas informações que poderiam ser mais difíceis de encontrar”, diz ele. Foto cedida por Joel Shamaskin

Nos Estados Unidos, mais de 5.600 pessoas são diagnosticadas com ELA todos os anos. Em 90% a 95% dos casos, não há histórico familiar da doença; parece ocorrer aleatoriamente, sem fatores de risco claramente associados.

O esforço de pesquisa do Answer ALS é “o maior e mais abrangente estudo de ELA da história”, diz Clare Durrett, codiretora e coordenadora de gestão da Fundação Answer ALS. “Com uma meta de 1.000 pacientes, a quantidade de dados coletados por participante é superior a 6 bilhões de pontos de dados por pessoa.”

A Microsoft está trabalhando de perto com cientistas e pesquisadores da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland, e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em Cambridge, Massachusetts, para disponibilizar os dados aos pesquisadores quando estiver pronto dentro de alguns anos. Todos os dados são armazenados na nuvem Microsoft Azure, o que permitirá o compartilhamento seguro e a privacidade dos dados de saúde confidenciais.

Durrett diz que o papel da Microsoft tem sido fundamental.

“Para utilizar efetivamente uma base de conhecimento tão grande, precisávamos de um parceiro que pudesse se comprometer com o esforço e ter o conhecimento necessário para garantir a integridade dos dados”, diz ela. “Estamos construindo uma base de conhecimento tão forte que a comunidade global de pesquisa de ELA será capaz de aproveitar o poder da inteligência artificial para, finalmente, prever o curso da doença de um paciente e a terapia ideal.”

Steve Gleason em 2014
Desde que o ex-jogador de futebol profissional Steve Gleason foi diagnosticado com ELA em 2011, parte de sua busca tem sido encontrar uma cura para a ELA e melhorar o cotidiano de outros pacientes. Foto de Lucien Knuteson

A inspiração para o Answer ALS veio do ALS Summit em 2013, uma reunião de pesquisadores, pacientes, médicos e cuidadores, organizada pelo ex-jogador de futebol profissional Steve Gleason e sua organização sem fins lucrativos, a Team Gleason.

Gleason foi diagnosticado com ELA em 2011, e parte de sua busca tem sido encontrar uma cura para a doença e melhorar a vida dos pacientes. O trabalho de Gleason com funcionários da Microsoft durante o primeiro Hackathon da empresa, em 2014, deu a ele uma maneira de usar os olhos para manobrar sua cadeira de rodas. Isso levou ao desenvolvimento e lançamento do Controle pelo Olhar para Windows 10 da Microsoft no ano passado, tecnologia de rastreamento ocular que permite que pessoas com deficiências digitem com os olhos.

Para o dr. Jeffrey D. Rothstein, fundador e diretor do programa Answer ALS, o projeto representa a oportunidade de uma vida inteira para a doença que tem sido o foco de seu trabalho desde quando era residente da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, onde ele é agora professor de neurologia e neurociência. Ele também é diretor fundador do Centro de Pesquisa de ELA Robert Packard da escola, que dirige o programa Answer ALS, e que também coordena dezenas de pesquisadores em todo o mundo para se concentrar em ELA, além de cuidar de mais de 400 pacientes da doença a cada ano.

dr. Jeffrey D. Rothstein
“A ELA pega as pessoas no auge da vida, e elas lentamente – ou rapidamente – perdem toda a capacidade de movimento”, diz o dr. Jeffrey D. Rothstein. Ele espera que o Answer ALS leve a abordagens de tratamento com drogas melhoradas e personalizadas para os pacientes. Foto cedida pela Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins

“Essa doença não teve um grande histórico de encontrar terapias”, diz Rothstein. “A ELA pega as pessoas no auge da vida, e elas lentamente – ou rapidamente – perdem toda a sua capacidade de se mover.”

Quando ele descreve para seus alunos de medicina como é viver com ELA, usa essa analogia: “Imagine que você está em um voo internacional. São oito horas. Você está no assento do meio entre duas pessoas. Você não pode se mexer. Você não pode se levantar para ir ao banheiro. Você não tem outra habilidade além de mover a boca e os olhos. Isso é o que acontece – os pacientes ficam presos. E é devastador. Eles não podem segurar seus bebês. Não podem tocar em nada. Eles sentem coisas, mas não conseguem se mexer. É uma doença verdadeiramente cruel e devastadora”.

O “coração” do Answer ALS é, em última análise, personalizar as abordagens de tratamento de drogas para ELA, definindo os subtipos biológicos dos pacientes, semelhante à forma como o câncer de mama é tratado atualmente, diz Rothstein.

“Nós não fazemos mais uma biópsia e olhamos ao microscópio e dizemos: ‘Ah, sim, é câncer de mama'”, diz ele. “Analisamos e dizemos: ‘Bem, é um certo tipo de câncer de mama, e o câncer de mama responde a certas drogas’. Ao fazer isso, personalizamos remédios, nos quais direcionamos a terapia para o grupo certo de pacientes. Para a ELA, é exatamente isso que esperamos que o Answer ALS nos permita fazer.”

Elizabeth Bruce, diretora de relações com universidades da Microsoft, que está entre as pessoas que trabalham no projeto, diz que “uma das coisas surpreendentes sobre o Answer ALS é que eles planejam tornar todos esses dados acessíveis a toda uma comunidade de pesquisadores no mundo, através de disciplinas, abrindo a possibilidade de descobrir uma cura.”

Uma das maneiras de tornar os dados biomédicos mais acessíveis é a Galaxy, uma plataforma aberta baseada na web, desenvolvida inicialmente para pesquisa em genômica e uma ferramenta importante para pesquisadores que não têm necessariamente experiência em ciência da computação. Para permitir que os pesquisadores do Answer ALS usem a Galaxy para sua pesquisa de computação, a Microsoft criou suporte para o Azure no CloudBridge, o código que a Galaxy usa para gerenciar recursos na nuvem.

“Esse trabalho é um passo importante para tornar o Azure mais acessível para cientistas e pesquisadores de todo o mundo”, diz Bruce.

“Há muitas iniciativas diferentes buscando uma resposta” para a ELA, diz. “Se trabalharmos juntos e adotarmos o poder das novas tecnologias, poderemos chegar mais perto de encontrar uma cura.”

Juan e Connie Rosete
Juan e Connie Rosete em outubro de 2018 em uma viagem ao estado de Washington. “Eu quero fazer o que puder para ajudar a causa”, diz Connie Rosete, paciente do Answer ALS. Foto cedida por Connie Rosete

Pacientes com ELA comparecem para coleta de sangue e de dados a cada três meses em clínicas do Answer ALS em todo os EUA, incluindo locais na Johns Hopkins, Northwestern Medicine em Chicago e Ohio State University em Columbus.

Connie Rosete, uma paciente do Answer ALS, diz que passou por vários diagnósticos errados – uma experiência frustrante, mas não incomum com a ELA – antes de saber um ano atrás que tinha a doença.

Rosete era uma psicóloga do ensino fundamental no condado de Los Angeles. Foi um de seus colegas de trabalho que percebeu que ela estava andando mais devagar que o normal e perguntou se estava com dor.

Não, Rosete disse, ela não estava com dor – algo que não é geralmente evidente nos estágios iniciais da ELA. Rosete não pensou mais sobre isso. Mas seu marido também notou uma mudança em seu jeito de caminhar. Isso iniciou uma odisseia de consultas e exames médicos, com um diagnóstico de ELA no último outono.

Rosete e seu marido, casados há mais de 40 anos, tinham acabado de se aposentar, algo que eles planejaram por muitos anos fazer ao mesmo tempo. Tinham grandes sonhos. Adoram viajar.

“Nós íamos morar na Guatemala por seis meses, e na Costa Rica por outros seis meses”, diz Rosete, 64. “Íamos à Europa e morávamos lá por alguns meses. É como se todos os nossos planos tivessem sido desviados.”

Mas Rosete diz que ela não tem tempo para pensar no que não pode ser, apenas naquilo que pode, e ela ainda vê a viagem no horizonte. Ela e seu marido têm feito “pequenas viagens curtas” para ver como se sai com a cadeira de rodas que usa agora. Rosete espera que a Itália esteja na agenda da próxima primavera.

“Como eu disse ao meu marido, vamos aproveitar o que temos hoje”, diz ela. “Aproveite o que você tem, qualquer que seja a sua condição e faça o que puder.”

Para ela, isso inclui participar do Answer ALS.

“Quero fazer o que puder para ajudar a causa”, diz ela. “Aproveito a vida hoje como sou, em vez de desperdiçá-la, dizendo que gostaria se pudesse. Então isso é importante para mim.”

Jay Quinlan e família
Jay Quinlan, à esquerda, com sua filha Victoria, a esposa Stephanie e o filho Will em 2016. Foto cedida por Jay Quinlan

Jay Quinlan se sente do mesmo jeito. Criado em Nova Orleans, Quinlan, 51, adorou ouvir as histórias de seu tio sobre ser um promotor. Sabia desde cedo que era o que ele faria. E manteve seu plano, obtendo seu diploma de direito na Louisiana State University, tornando-se promotor público, promotor estadual e, por fim, um promotor federal.

O tribunal era a segunda casa de Quinlan, em muitos aspectos, um lugar onde ele estava à vontade. Três anos atrás, ele começou a perceber que estava tendo alguma dificuldade em pegar pastas de arquivos no trabalho. Então, em casa, ele foi aparar as unhas e não conseguiu segurar o cortador, deixando-o cair no chão.

“Eu não achava que era algo como a ELA”, diz ele. “Não sabia o que era.”

A doença não foi diagnosticada imediatamente. Em dezembro de 2015, Quinlan fez uma cirurgia no cotovelo esquerdo para o que se acreditava ser um nervo comprimido, que causava o problema. Mas vários meses após a cirurgia, nada havia mudado. Então ele começou a sentir o pé esquerdo “caído”, tornando-o incapaz de levantar a parte da frente do pé quando andava.

Quinlan foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica no verão de 2016. Desde então, caminhar tornou-se um desafio, e ele continuou a perder força em suas mãos e braços. Mas, pessoalmente, ele não perdeu força.

Quinlan continua a trabalhar como procurador federal, embora sua presença no tribunal seja menor agora. “Não pude pedir mais apoio do que recebi do meu escritório durante todo esse processo”, diz ele.

Casado com dois filhos, Quinlan diz: “Nos primeiros meses após o diagnóstico, foi assustador para todos nós. Eu certamente imaginei cenários piores do que onde eu atualmente me encontro. A esse respeito, sou grato e sortudo.”

Jay Quinlan e seu filho
Jay Quinlan, à direita, com seu filho Will em 2017, em Washington, D.C. Foto cedida por Jay Quinlan

Ele também é um participante do Answer ALS e atua no conselho de diretores da Fundação ALS, e espera que seus esforços e os de outros pacientes levem a um avanço para a cura da doença.

“Quero fazer a minha parte para deixar os pesquisadores avançarem seu trabalho”, diz ele. “Quero fazer o que puder para ajudar futuros pacientes a ter esperança de que algum dia eles encontrarão a cura para isso.”

Rothstein diz que é crucial usar “o poder do big data”, como está fazendo o Answer ALS, “integrando vários tópicos para tentar fazer um trabalho melhor de encontrar terapias e diagnósticos para os pacientes”.

A equipe do Answer ALS acredita que o projeto não é apenas um marco para os pacientes com ELA, mas também pode ser um modelo para combater outras doenças.

“Se fizermos isso com a ELA, não há razão para acreditar que não possa ser feito por outras pessoas que trabalham com as doenças de Parkinson e Alzheimer e outras lesões neurológicas”, diz ele.

Foto do alto: Em setembro de 2018, Joel Shamaskin e sua esposa, Ann, participaram de uma caminhada do Answer ALS em Rochester, Nova York. Foto cedida por Joel Shamaskin