Microsoft cria linguagem de programação inclusiva para crianças com deficiências visuais

Por Allison Linn //

A maioria das crianças, atualmente, tem o primeiro contato com a programação por meio de ferramentas simplificadas, para permitir que eles arrastem e soltem blocos de comando, criando programas que podem fazer coisas como navegar em labirintos ou correr pelos espaços.

Uma equipe de pesquisadores e designers da Microsoft do laboratório de Cambridge, Reino Unido, está levando esse conceito um passo além. Essa equipe criou o que eles chamam de linguagem de programação física. É uma forma de criar códigos de forma física ao conectar módulos para construir programas.

O sistema, chamado Project Torino, foi criado para garantir que crianças com deficiências visuais ou que enfrentam desafios similares possam participar de aulas de programação com seus colegas. Mas Cecily Morrison, uma das pesquisadoras que trabalham o projeto, espera que o sistema também seja atrativo e útil para todos os estudantes, tenham ou não deficiências visuais.

“Um de nossos mais importantes princípios de design é a inclusão. Não queríamos isolar essas crianças novamente”, ela afirma. “A ideia é criar algo que todos possam usar, e usar juntos”.

O objetivo final é ainda mais ambicioso: colocar as crianças com deficiências visuais e outros desafios, como a dislexia ou autismo, no caminho de se tornarem engenheiros de software e cientistas da computação.

“Está claro que há uma grande oportunidade de emprego na computação profissional”, afirma Morrison. “Isso é uma excelente carreira para muitas crianças que podem ter dificuldade de se preparar para outras carreiras”.

Um projeto como esse pode servir a dois propósitos: empresas de tecnologia afirmam que enfrentam uma “falta de competências digitais” que as deixam sem engenheiros e programadores para atender às suas necessidades, e especialistas dizem que pode ser difícil para pessoas com deficiências visuais encontrar carreiras significativas e acessíveis.

A Organização Mundial de Saúde estima que 285 milhões de pessoas no mundo são cegas ou têm algum tipo de deficiência visual e que a vasta maioria vive em condições de baixa renda. Só no Reino Unido, o Royal National Institute of Blind People (RNIB) informa que apenas um de cada quatro adultos em idade produtiva, que são cegos ou portadores de deficiência visual, realiza trabalho remunerado.

Steve Tyler, chefe de soluções, estratégia e planejamento do Royal National Institute of Blind People, que trabalha com Morrison no projeto, afirma que programação pode ser uma carreira promissora para pessoas com deficiências visuais. Nos últimos anos, porém, a ciência da computação se concentrou muito mais em métodos de programação pictóricos, gráficos e conceituais, dificultando o acesso de crianças com deficiências visuais a esse campo.

Para Tyler, sistemas como o Project Torino podem ajudar nisso: “Essa, para nós, é a principal razão de seguir com o projeto e apoiá-lo”.

Tyler, que tem um currículo em educação, conta que há uma lamentável falta de recursos para as crianças portadoras de deficiência visual que têm interesse em programação ou, de forma mais geral, estão prontas para a introdução à matemática e o pensamento estratégico. Esse é um grande problema, pois a primeira introdução de uma criança a esses conceitos é um momento que define se ela terá interesse em buscar uma carreira nesses campos.

Tradicionalmente, Tyler explica que os professores utilizam o xadrez para ensinar esses tipos de conceitos estratégicos para crianças com deficiências visuais. “Vejo esse projeto um pouco dessa forma”, ele afirma. “Ele traz, da forma do século 21, esse tipo de habilidade para ensinar às crianças esses novos conceitos.”

Louisa Turtill (à esquerda), 9, e Khadijah Pinto Atkin, 9, usam o Project Torino. A linguagem de programação física está sendo desenvolvida com a ajuda das crianças para assegurar que funcione para as suas necessidades. Foto: Jonathan Banks.

A equipe da Microsoft investiu o último ano ou mais testando o sistema com um pequeno grupo formado por uma dúzia de estudantes. Nicolas Villar, um pesquisador sênior do laboratório do Reino Unido, importante na criação do Project Torino, contou que um dos prazeres inesperados do projeto foi a oportunidade de trabalhar com crianças que têm uma forma bem diferente de experimentar o mundo.

Por exemplo, ele conta, a equipe originalmente fez os módulos todos em branco, até que as crianças com visão limitada dizerem que mais cores as ajudariam. E apesar de haver um impulso na eletrônica em fazer as coisas menores, com esse projeto descobrimos que as crianças interagiam mais se os módulos fossem maiores, em parte porque, trabalhando em duplas, poderiam segurá-los e tocar as mãos como parte do trabalho em equipe.

“Nós realmente criamos isso junto com eles. Foi uma colaboração”, diz Villar sobre como foi o trabalho com o grupo de crianças. “Pensamos que iríamos fazer algo para elas, mas acabamos criando junto com elas.”

Agora, estamos trabalhando com o RNIB para fazer um teste beta expandido com cerca de 100 estudantes. Os pesquisadores e o RNIB preveem recrutar participantes em potencial para a experiência este mês, na conferência VIEW para educadores no Reino Unido que trabalham com crianças com deficiência visual.

Por enquanto, o beta concentra-se no Reino Unido, que inicia um esforço para conseguir que mais crianças se interessem por programação. Espera-se tornar o projeto amplamente disponível para professores e alunos de outros países.

Uma lição em pensamento computacional

O Project Torino é voltado para crianças entre 7 a 11 anos. Usando as ferramentas de programação, estudantes podem fazer coisas como criar músicas, incorporando até mesmo ruídos bobos, poesias e sons que eles mesmos criaram.

À medida que as crianças constroem seus códigos, Morrison conta que elas aprendem os conceitos de programação que as levarão a carreiras em ciências da computação ou campos relacionados.

“Trata-se de construir conceitos que permitirão que eles se tornem cientistas da computação, programadores, engenheiros de software, pensadores computacionais”, ela afirma. “Isso dá a eles essa base computacional para qualquer direção e um vocabulário compartilhado sobre o que é a computação”.

Morrison e seus colegas também criaram um currículo para professores que querem utilizar o Project Torino. Ela explicou que os professores não precisam conhecer ciências da computação para usá-lo – na verdade, eles assumem que a maioria dos professores não tem grandes conhecimentos em programação.

O sistema também foi criado para crescer com as crianças. Morrison conta que eles também criaram um app que permite que as crianças transfiram o código que fizeram no sistema físico em um código baseado em texto e então utilizar outras tecnologias assistivas para continuar a programar.

“Estamos mapeando um caminho do meio físico para algo que um engenheiro de software profissional poderia usar”, diz.

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Allison Linn é redatora sênior na Microsoft.

Na foto do alto, Lexy Ryan (à esquerda), 13, e Theo Holroyd, 10, usam o Project Torino. A linguagem de programação física foi desenvolvida para ser inclusiva para crianças com deficiências visuais. Foto: Jonathan Banks.

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