No acampamento patrocinado pela Microsoft, meninas criam jogos e aprendem sobre um mundo de possibilidades

Por Deborah Bach //

Rebecca Raitt lembra claramente a resposta de um menino de sua classe de sétima série há dois anos, quando ela contou a ele que estava no mundo dos games.

“A primeira coisa que ele disse foi: ‘Isso não é possível. Você é mulher’”, lembra a adolescente de 14 anos.

Raitt se irritou e respondeu vindo à escola com personagens de videogame e super-heróis estampados na roupa. Mas, durante três semanas de julho, não havia necessidade de ela provar pertencer ao mundo dos games. Raitt estava entre as 15 meninas que participaram do acampamento Girls Make Games no campus da Microsoft, em Redmond, EUA. Patrocinado pela Xbox, o acampamento trouxe as meninas para formar equipes, criar seus próprios videogames e competir pela chance de divulgar seu jogo.

Rebecca Raitt, à esquerda, descreve como ela e suas colegas de equipe elaboraram o game

As meninas também visitaram o estúdio Minecraft, da Microsoft, conheceram engenheiras mecânicas e elétricas da equipe de hardware Surface, aprenderam sobre usabilidade no laboratório da Xbox e ouviram as lideranças femininas da Microsoft que visitaram o acampamento para falar de suas carreiras. Este foi o terceiro ano em que a Microsoft fez parceria com a Girls Make Games, e Katie Stone Perez, principal responsável pela equipe da plataforma Xbox, disse que a iniciativa é uma maneira atrativa de reunir meninas interessadas em ciência, tecnologia, engenharia, arte e matemática ou STEAM, na sigla em inglês.

“É uma exposição ao STEAM em geral, e está ajudando essas garotas a entender que podem ser criadoras”, diz Perez. “Se elas se inspirarem a fazer jogos, ótimo. Mas se elas começarem a se identificar como criadoras enquanto passam pelo programa, será uma vitória.”

Girls Make Games também tem como objetivo combater a disparidade de gênero no jogo. Enquanto 41% dos jogadores são do sexo feminino, de acordo com um relatório da Entertainment Software Association, uma pesquisa de 2015 da International Game Developers Association descobriu que as mulheres representam apenas 22% do setor de jogos.

“Estamos tentando descobrir e ajudar a eliminar essa lacuna”, diz David McCarthy, diretor de operações da Xbox. “As mulheres devem ser igualmente representadas em nosso setor. Devem ter acesso a todos os mesmos treinamentos e recursos, e se sentir benvindas como qualquer outra pessoa. Este é um dos esforços para derrubar algumas dessas barreiras.”

A eliminação desses obstáculos é importante para que a indústria do jogo continue expandindo seu alcance, diz Perez.

“Na Xbox, acreditamos que o jogo é para todos, e uma das melhores maneiras de garantir que qualquer pessoa que venha a nossas plataformas possa encontrar conteúdo significativo é habilitando um conjunto extremamente amplo de desenvolvedores que trazem suas ideias e narrativas”, ela diz.

Zhen Sterling, personagem de um jogo criado no acampamento sobre uma garota que busca um abacaxi mágico

“Não é casualidade que a maioria dos jogos que surgem do acampamento caracterizam personagens femininas fortes, porque é com isso que essas garotas se identificam.”

Os acampamentos estão abertos a garotas de 8 a 17 anos e se concentram em quatro áreas principais: pesquisa em gêneros e plataformas de jogo, noções básicas de programação, design de jogos, apresentação e publicação. Com a orientação dos conselheiros do acampamento, as equipes concebem e criam seus próprios videogames, depois desenvolvem apresentações que são gravadas e enviadas a um grupo de juízes que revisam as inscrições dos acampamentos realizados nos EUA. Cinco equipes são escolhidas para fazer uma apresentação final no “dia de demonstração”, e a equipe vencedora tem seu jogo publicado por meio de uma campanha do Kickstarter.

O Girls Make Games foi iniciado por Laila Shabir, CEO e cofundadora do LearnDistrict, um estúdio de jogos educacionais de San Jose, Califórnia. Shabir estava recrutando pessoal para um projeto de jogo há alguns anos e percebeu que quase todos os candidatos eram do sexo masculino. Perguntando-se se as mulheres simplesmente não estavam interessadas no setor de games, Shabir decidiu criar um acampamento de jogos para meninas como um “experimento”.

Descobriu-se que as meninas eram tão apaixonadas pelos jogos quanto os meninos, diz Shabir, mas sentiam-se isoladas por uma cultura de jogo dominada pelos homens. Ouvir as garotas dizerem que o acampamento era o primeiro lugar em que sentiam pertencimento, o primeiro lugar em que encontraram sua turma, foi poderoso, diz ela.

“No final do acampamento, era óbvio que algo assim era necessário”, diz Shabir. “Era evidente que precisávamos continuar.”

“Trata-se de levá-las do estágio de garotas que talvez não pensassem que eram capazes de algo para o de pessoas que agora pensam que são capazes de muito. É um exercício de construção de confiança.”

O primeiro acampamento, realizado em abril de 2014 na Califórnia, foi seguido por mais três este ano. O interesse de outras cidades se manifestou, e o programa cresceu rapidamente para acampamentos e oficinas em 25 cidades dos EUA e 18 cidades em outros países. Shabir diz que apesar de os acampamentos se concentrarem em videogames, o objetivo mais amplo é ajudar as meninas a explorar seu potencial.

“Não significa acampar e de repente os jogos são a sua vida”, diz ela. “Trata-se de levá-las do estágio de garotas que talvez não pensassem que fossem capazes de algo para o de pessoas que agora pensam que são capazes de muito. É um exercício de construção de confiança.”

Shabir menciona uma garota do Paquistão que frequentou os acampamentos em dois verões nos EUA e retornou este ano para ser uma conselheira júnior em um acampamento da Califórnia. Participar desses eventos mudou sua trajetória de carreira, diz Shabir.

“Ela não achava que pudesse programar”, diz Shabir. “Nunca imaginou que isso era algo que ela poderia fazer ou faria.”

Alyssa Black, à direita, com as garotas de sua equipe na apresentação de seu jogo

Para Alyssa Black, de 16 anos, o acampamento da Microsoft foi uma maneira de unir seu interesse em jogos, narração e arte digital – as meninas do acampamento deste ano também aprenderam a criar e animar sua própria arte. Black está considerando uma carreira no design de games e ficou entusiasmada com a capacidade de aprender a usar a plataforma de desenvolvimento de jogos multiplataforma Unity.

“Quero fazer jogos bacanas, conduzidos por narrativas”, diz ela. “Trabalhar no Unity foi muito divertido.”

Mais nova de seis filhos, Black cresceu em uma família de entusiastas de jogos, mas diz que muitas vezes se deparou com ideias sobre os tipos de jogo ou personagens que as meninas devem jogar.

“Há uma ideia de que, se você é uma garota gamer, deve ser realmente ruim ou simplesmente joga curandeiros”, diz ela, referindo-se a um tipo de personagem de apoio que cura os aliados. “É irritante, porque muitas vezes não é verdade.”

Katie Stone Perez fala ao público reunido para ouvir as meninas apresentarem seus jogos

Raitt concorda. “Uma garota gamer pode ser literalmente qualquer garota na sala”, diz ela. “Pode ser a garota com sapatos de salto alto. Pode ser a garota calçando tênis velhos e rasgados. Qualquer videogame é um jogo, e qualquer um que joga é um gamer.”

Krishnan Iyer matriculou sua filha de 9 anos, Inika, no acampamento depois de ouvir sobre isso de seu professor em um clube de programação. Inika gosta de cantar e dançar, diz ele, e o acampamento ofereceu uma maneira de canalizar sua criatividade para a tecnologia.

“Tanto a mãe como eu queremos que nossa filha contribua intelectualmente para a sociedade e não se enquadre em estereótipos de gênero”, diz Iyer, que anteriormente trabalhou para a Microsoft. “Ela deveria poder se expressar e queríamos dar-lhe uma saída. Acredito que precisamos de mais meninas na tecnologia.”

Este é o terceiro ano em que a Microsoft faz parceria com a Girls Make Games para hospedar acampamentos

Na última sexta-feira de julho, as meninas apresentaram seus jogos enquanto os pais tiravam fotos e gravavam vídeos. Suas criações variaram da procura pela “barra de chocolate infinita” à busca de uma adolescente por seu irmão gêmeo desaparecido, um lobo que resgata outros animais de um prédio de humanos maus e uma menina que se propõe a encontrar um abacaxi mágico que irá restaurar os poderes de sua família.

Darren Smith veio com sua esposa ver sua filha de 10 anos, Juliana, apresentar seu jogo. Smith lembrou Juliana perguntando a ele há cerca de um ano e meio por que não havia mais protagonistas femininas nos filmes. Ele percebeu então a importância de Juliana ver-se refletida no mundo para que ela não fosse limitada no que pensava que poderia fazer.

“Acho que ela tem em sua mente que não é boa em assuntos STEM, mesmo que seja”, diz Smith, que é engenheiro.

“Até agora, ela não sentia que fosse um mundo em que ela pudesse prosperar ou se interessar. O acampamento a levou a perceber que talvez seja.”

Fotos: Scott Eklund/Red Box Pictures

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