Por John Roach //
Chama-se dilema do prisioneiro e funciona assim: você e seu comparsa estão na cadeia. Um de vocês cometeu um crime grave, mas o promotor não sabe quem foi. Ocorre que vocês foram presos por um crime menor e estão cumprindo uma pena de um ano na solitária.
Eis a jogada: o promotor deu a vocês dois a oportunidade de um entregar o outro. Se você trair seu companheiro de bando, mas não for delatado, será liberado enquanto ele cumpre uma pena de três anos. Se ambos delatarem, ambos cumprem dois anos de prisão. O promotor bate na porta de sua cela. O que você faz?
Por décadas, os cientistas sociais estudaram como a cooperação entre humanos evoluiu ao observar as pessoas jogarem múltiplos jogos do dilema do prisioneiro, cada um durando um número determinado de rodadas. Durante esses jogos, os participantes equilibram o benefício da cooperação com o risco da exploração e a tentação de delatar com o risco da retaliação nos jogos subsequentes.
As descobertas desses estudos sobre o dilema do prisioneiro sugerem que os jogadores inicialmente estão propensos a cooperar por algumas rodadas, mas eventualmente eles traem, esperando sair da cadeia antes de serem trapaceados. Além disso, à medida que os jogadores entendem o jogo, eles percebem que a escolha racional é trair, o que eles fazem cada vez mais cedo em cada jogo subsequente.
A cooperação, de acordo com o estudo, eventualmente se quebra.
Isso era exatamente o que uma equipe de cientistas sociais computacionais da organização de pesquisa da Microsoft em Nova York esperava provar ao realizar um experimento que fez com que 94 participantes jogassem 400 jogos de 10 rodadas do dilema do prisioneiro em um laboratório virtual durante 20 dias consecutivos. O tempo foi muito mais longo do que nos estudos anteriores, que são tipicamente baseados em observações de alunos da graduação jogando em uma sala por uma hora.
No novo estúdio, a jogabilidade seguiu como esperado nas primeiras semanas. Os jogadores desertaram cada vez mais cedo em cada jogo de 10 rodadas. Mas então a deserção parou; a forma de jogo se estabilizou pelo restante do mês. Quando os pesquisadores investigaram o motivo, descobriram que 40% dos jogadores eram os chamados cooperadores resilientes que evitavam delara mesmo com um custo pessoal significativo.
“Trinta anos atrás, as pessoas estavam fazendo experimentos que eram quase exatamente iguais o mesmo que esse, com a grande diferença que agora podemos fazer isso durante um mês ao invés de durante uma hora”, afirma Duncan Watts, pesquisador-chefe no laboratório da Microsoft e um pioneiro em aplicar técnicas computacionais para problemas tradicionais das ciências sociais. “A recompensa é que vemos o comportamento acontecendo em escalas de tempo bem longas e esse comportamento acaba sendo muito importante para a evolução da cooperação a longo prazo”.
Ciência social computacional
O estudo, publicado em 13 de janeiro na revista Nature Communications, foi escrito por uma equipe de pesquisadores incluindo o pós-doutor Andrew Mao e a desenvolvedora de software Lili Dworkin. Esse é o mais recente exemplo vindo do laboratório da Microsoft em Nova York para ilustrar como as tecnologias digitais estão transformando as ciências sociais ao fornecer novas formas de obter, processar e analisar dados, o que tradicionalmente tem sido o principal recurso limitante nas ciências sociais.
“Muitas atividades humanas e sociais que aconteciam off-line em um ambiente analógico agora acontecem online em um ambiente digital. Isso está gerando muitos dados sobre interações e comportamento”, afirma Watts, que também é professor na Universidade Cornell. “Isso abriu uma porta para um novo conjunto de métodos que geralmente vem da ciência da computação e que agora pode ser aplicado às ciências sociais”.
A pesquisa do dilema do prisioneiro aproveita os laboratórios virtuais, que permitem aos participantes do estudo se conectarem de qualquer lugar. Esse maior período de tempo revela comportamentos humanos que não eram encontrados nos estudos anteriores sobre o dilema do prisioneiro”, afirma Siddharth Suri, pesquisador sênior em ciência social computacional no laboratório da Microsoft em Nova York.
“Antes não tínhamos nenhum instrumento científico que era capaz de detectar esse tipo de comportamento”, ele afirma. “Se você pensar nos tempos antigos, a primeira pessoa que inventou o telescópio podia ver coisas que ninguém mais poderia. Bem, agora que temos laboratórios virtuais, podemos ver coisas que não podíamos antes”.
Explicação x Predição
Esses avanços apresentam aos cientistas sociais e da computação uma oportunidade para entender melhor fenômenos humanos e sociais ao combinar a habilidade para entender o comportamento causal com o desejo dos cientistas da computação de realizar análises preditivas, afirma Jake Hofman, um pesquisador sênior no laboratório da Microsoft em Nova York, que aplica estatísticas e aprendizagem de máquinas para dados sociais em grande escala.
Por exemplo, a literatura de ciências sociais é cheia de estudos que tentam estabelecer a relação causal entre o nível de educação que uma pessoa possui e seu rendimento vitalício. Mas esses tipos de estudos raramente se focam em como combinações precisas de fatores como tipo de escola, tamanha das turmas ou histórico familiar além do nível de educação preveem riqueza.
Ao adotar métodos da ciência da computação como a aprendizagem de máquinas, os especialistas podem entender melhor como as diferenças de rendas observadas podem ser explicadas por outros fatores além da educação e, portanto, que intervenções podem causar mais impacto, explicou Watts.
“Isso dá outra forma de quantificar quando você entende o fenômeno”, completa Hofman. “Ou seja, se você realizar um trabalho razoável prevendo futuros rendimentos sob muitas condições, você tem alguma compreensão do que está acontecendo. Se você não pode, está perdendo algo”.
Hofman e Watts, junto com a colega Amit Sharma, publicou um ensaio na Science de fevereiro argumentando que uma grande ênfase na predição em ciências sociais poderia tornar a disciplina “melhor, mais replicável e mais útil”.
Problema de incoerência
Outra preocupação entre os cientistas sociais é que, frequentemente, teorias individuais são testadas em isolamento ao invés de no contexto de outras teorias que competem e, às vezes, as contradizem.
“Em problemas do mundo real, muitas teorias se aplicam e precisamos saber como todas elas interagem. E não podemos descobrir isso se apenas considerarmos cada teoria isoladamente”, afirma Watts.
Na edição de 10 de janeiro da Nature Human Behavior, Watts argumenta que uma abordagem para lidar com esse “problema de incoerência” é que os cientistas sociais se foquem mais em resolver os problemas do mundo real.
“A estrutura de resolução de problemas é útil pois pega um monte dessas ideias abstratas como replicação, reprodutibilidade e predição e as torna muito concretas”, ele explica. “Você resolveu o problema? Se sim, ótimo, siga em frente. Se não, volte e tente novamente, você fez algo que não está certo”.
A abordagem reflete a estrutura que permite que os cientistas da computação atingir avanços em inteligência artificial ao focar a pesquisa em tarefas comuns como a redução da taxa de palavras erradas no reconhecimento de fala e o desenvolvimento de carros automáticos. Avanços nessas tarefas são testadas em conjuntos de dados padrão de acordo com a comunidade de ciências da computação.
As recentes conquistas da Microsoft em tecnologia de reconhecimento de fala que é tão bom quanto uma transcrição feita por um profissional humano, por exemplo, foi baseada em testes-padrão da indústria.
Mapeamento de crises
Para ilustrar como a ciência social orientada a soluções pode funcionar, Watts indica um estudo que ele, Mao, Suri e outros colegas publicaram na PLoS One em abril de 2016. Ele usou um laboratório virtual para obter um entendimento profundo sobre teorias competitivas sobre tamanhos de equipes e produtividade.
Diversos estudos sugerem que as pessoas são mais propensas a relaxar conforme o tamanho das equipes aumenta porque vadiar é algo mais simples de esconder em um grupo maior. No entanto, outro conjunto de estudos indicam que grandes grupos são mais eficientes porque eles permitem que as pessoas se especializem e, dessa forma, se tornem mais produtivas.
“Dependendo de qual mecanismo você está procurando, você pode chegar a diferentes conclusões se grandes grupos são maiores que pequenos grupos”, afirma Watts.
Para descobrir se grandes grupos são realmente melhores que pequenos grupos, os pesquisadores criaram um experimento no qual equipes que variam de tamanho, de 1 a 32 pessoas, colaboraram online para mapear informações de tempo real compartilhadas pelas populações afetadas nas redes sociais durante o Furacão Pablo, uma tempestade categoria 5 que atingiu as Filipinas em 4 de dezembro de 2012.
O mapeamento de crise é uma tarefa do mundo real tipicamente executada por voluntários no campo emergente do humanitarismo digital. As postagens de mídias sociais usadas pelo experimento são autênticas – elas foram geradas durante o furacão e usadas para criar um mapa de crise real. Os resultados do experimento, explicou Suri, podem ter um impacto real num problema real, o que ela conta que motivou a equipe de pesquisadores.
“A assistência em desastres é um problema difícil. Como você gerencia recursos limitados para salvar o maior número de vidas humanas, para reduzir ao máximo o sofrimento humano?”, ele afirma. ”O mapeamento de crise foi nossa primeira prioridade. E a primeira questão que você pode fazer é ‘quão grande é a equipe que eu preciso para fazer esse mapa?’”
Os pesquisadores encontraram um aumento de vadiagem social conforme o tamanho da equipe aumentava, mas ela era superada pelos benefícios recebidos pelos esforços coletivos de um grupo maior. Grupos maiores, pelo menos em relação ao mapeamento de crise, são melhores.
“Você não poderia ter esse resultado se estivesse simplesmente estudando a vadiagem social”, afirma Watts. “E eu diria a mesma coisa sobre o artigo do dilema do prisioneiro – esse é apenas uma pequena fatia da realidade. Se você quer realmente entender a cooperação, precisa pegar um problema real”.
John Roach escreve sobre pesquisa e inovação na Microsoft.
No alto, Duncan Watts, pesquisador chefe no laboratório da Microsoft em Nova York, pioneiro em aplicar técnicas computacionais aos problemas tradicionais da ciência social. Foto: John Brecher.