Por Bill Briggs //
A escuridão começou com um coração acelerado no meio da noite.
Jeff Dorchester, um empreendedor de 40 anos, acordou em sua cama, no estado do Colorado, EUA, há dois anos, com a terrível sensação de fibrilação atrial – a câmara superior do coração batia 400 vezes por minuto. Os médicos precisariam usar um desfibrilador para fazê-lo voltar ao ritmo normal.
Nem a causa nem a correção ficaram claras imediatamente. O que veio depois, porém, só aumentou o perigo. Dorchester entrou em depressão clínica, um efeito comum em pacientes cardíacos.
Temendo o que outros pensariam, ele praticamente não contou para ninguém. Seu silêncio durou alguns meses, até que Dorchester compartilhou suas dificuldades com um amigo próximo, Dion Gonzales – e teve uma ideia que poderia ajudar mais gente a se abrir, possivelmente salvando vidas.
O que Dorchester ouviu o deixou surpreso: Gonzales estava se recuperando, em silêncio, de uma recente tentativa de suicídio de um membro da família. Cada um deles tinha mantido sua própria crise escondida.
“Você acaba ficando isolado. E é assustador”, diz Dorchester. “Naquele dia, concordamos que era hora de tomar uma posição e lutar por essa causa.”
Os dois lançaram recentemente o iRel8, um aplicativo de bate-papo que conecta usuários anonimamente que compartilham experiências semelhantes com ansiedade, dependência, depressão, entre outras condições.
Eles querem acabar com as barreiras do bem-estar mental, oferecendo aos usuários um grupo de suporte seguro e acessível, que seja global e sempre disponível – além de uma chance para outros orientarem pessoas buscando respostas. Em última análise, os cofundadores procuram acabar com o estigma que muitas vezes silencia conversas em torno da saúde mental.
“Quando começamos a compartilhar o que estávamos construindo, achamos incrível que todos têm uma história, mas poucas pessoas falam sobre isso”, diz Gonzales, de 47 anos, empreendedor tecnológico e executivo, também de Colorado.
Globalmente, milhões de pessoas vivem com depressão, além de transtornos, como ansiedade, vícios ou outras condições, informa a Organização Mundial da Saúde.
“Quando você considera todas as pessoas que não buscarão ajuda ou que não estão dispostas a falar sobre isso, imagine quantos poderiam ter um espaço para começar a se curar”, acrescenta Dorchester. “É impressionante.”
Para Dorchester, a chegada abrupta de uma depressão severa foi igualmente surpreendente.
“Não sabia o que era. É como se você se tornasse uma pessoa diferente”, conta.
“Por um tempo, escondi tudo. Não queria continuar dizendo a minha esposa que eu tinha problemas, porque não queria assustá-la. Não queria conversar com meus amigos, porque eles iriam me olhar de forma diferente. E não queria que as pessoas no trabalho soubessem.”
Então, ele começou a compartilhar pensamentos privados com pessoas anônimas, que frequentavam seus bate-papos online favoritos para jogadores e amantes de carros. Sentia-se seguro. Ninguém o julgou. E muitas pessoas nos sites estavam se conectando à sua experiência porque também viviam com depressão, diz ele.
Quando Dorchester encontrou espaço para respirar, ganhou o equilíbrio para se tornar uma dessas vozes úteis. Em outubro de 2017, um amigo online de um bate-papo sobre carro revelou a Dorchester que estava planejando se suicidar naquela noite.
“Estava pensando, ‘Pare! Pare!’ E, em seguida, falei com ele em um aplicativo de mensagens diretas. Uma hora depois, ele me disse: ‘Cara, você acabou de salvar minha vida. Você acabou de falar comigo’.”
“Durante as semanas seguintes, em noites alternadas, eu falava com ele. Tínhamos algumas semelhanças. Tenho depressão”, afirma Dorchester. “Foi quando comecei a pensar nesse conceito.”
Logo depois, ele decidiu compartilhar tudo, incluindo a ideia do aplicativo, com Gonzales, seu amigo e colaborador tecnológico desde 2010. Foi quando ele soube que Gonzales e sua família estavam enfrentando uma tentativa de suicídio de um membro da família.
“O momento foi incrível”, lembra Gonzales. “Não fazia ideia que Jeff estava passando por isso. Mas, como ele, também tínhamos tentado o aconselhamento profissional, que achamos muito clínico, nada relacional. Não nos conectamos com o terapeuta.”
Ambos imediatamente se apoderaram da mesma palavra. Foi o que Dorchester encontrou nas pessoas em seus bate-papos e o que Gonzales esperava encontrar nos profissionais: relacionalidade. À medida que seu aplicativo mudava de conceito para software, “eu relaciono” se tornou o “iRel8”.
Os dois dizem que eles – e suas famílias – estão melhores. Agora, eles esperam que outros possam alcançar o mesmo estado saudável.
O iRel8 apresenta dezenas de “salas” abertas e individuais em categorias, que permitem aos usuários encontrar outras pessoas que possam rapidamente oferecer empatia e orientação, dizem os cocriadores. Por exemplo, dentro do grupo das ansiedades, os usuários podem visitar salas de apoio para distúrbios de pânico, ansiedades sociais, fobias e ansiedades relacionadas à saúde (como a de Dorchester). Sob estresse pós-traumático, os usuários podem encontrar salas de apoio com veteranos ou pessoas que sofreram um trauma ou perda.
“O que realmente estamos buscando é essa conexão pessoa com pessoa”, avalia Dorchester. Com o tempo, eles pretendem disponibilizar uma rede de profissionais de saúde mental por meio do aplicativo.
O app está disponível agora na App Store, para dispositivos Apple, e na Google Play, para Android. Durante um período promocional de 90 dias, o aplicativo pode ser comprado por US$ 3,99. Depois disso, os usuários pagarão uma assinatura de US$ 1 por mês.
Ao colaborar no iRel8, eles usaram o Microsoft Office 365 para trocar conceitos de plataforma, ideias de negócios e inspirações pessoais, cada um trabalhando de seus respectivos escritórios domiciliares, em Denver. Para construir o aplicativo, Dorchester confiou no código do Visual Studio.
Com o aplicativo disponível para qualquer pessoa que tenha um smartphone em todo o mundo, os cocriadores planejam incorporar o Microsoft Translator para quebrar as barreiras do idioma e aumentar o combustível para atingir uma massa crítica em que as pessoas falem 24/7 em cada sala.
“Gostaríamos que cada sala tenha 10, 15 ou talvez 100 contribuidores”, diz Gonzales. “Estamos buscando de três a cinco mil usuários para ter um produto sustentável, com pessoas sempre online para conversar. Isso é apenas o começo. Gostaria de ter milhões em todo o mundo.”
Durante a construção do aplicativo, Gonzales e Dorchester realizaram dezenas de conversas com potenciais usuários, incluindo profissionais de aplicação da lei, veteranos militares e pessoas como Christine Moya, que vive com estresse pós-traumático crônico, decorrente de relacionamentos abusivos.
“Um aplicativo como esse é necessário porque há muitas pessoas neste mundo que têm questões e preocupações de saúde mental e querem permanecer anônimos, mas que também querem obter respostas para suas perguntas”, conta Moya, que mora em Denver.
Quando as pessoas baixam o iRel8, elas conversam usando nomes de usuários, protegendo suas identidades.
Mas, com o anonimato proporcionado pelo seu conceito, os cofundadores perceberam que tinham que abordar proativamente uma realidade moderna e desagradável, comum a muitos canais sociais: os trolls.
Em outros pontos de encontro virtuais, onde as pessoas compartilham pensamentos pessoais ou partes de suas vidas, os valentões cibernéticos podem visitar simplesmente para provocar. Em bate-papos sobre a saúde, os golpistas também podem tentar vender remédios falsos.
Para um aplicativo de saúde mental que atrai pessoas vulneráveis, que procuram um ombro amigo e soluções reais, o monitoramento rígido deve ser incorporado em qualquer plataforma social para manter as conversas saudáveis, adverte o dr. Harry Croft, psiquiatra do Texas.
“Esse aplicativo é 24/7, disponível para todos e por um dólar por mês. Isso é um valor? Sim, é”, diz Croft, que entrevistou e tratou os veteranos militares dos EUA com ansiedade relacionada ao combate e abuso de substâncias.
“Claro, existem problemas potenciais no monitoramento de pessoas que possuem suas próprias agendas. Agora, se você conhece esses problemas antecipadamente e tenta colocar as proteções, então, essa sim, é uma ótima ideia”, afirma Croft.
Bots que analisam texto e sentimentos, detectando rapidamente linguagem abusiva, podem ajudar a eliminar potenciais trolls, dizem os cocriadores. Eles também forneceram aos usuários a capacidade de denunciar um diálogo inapropriado, o que pode banir violadores. E eles pretendem criar uma função “ignorar”, que permite que os usuários decidam o que não querem ouvir – ou de quem eles não querem ouvir.
Além disso, eles dizem que a taxa de assinatura ajudará a afastar os trolls, que tendem a habitar lugares gratuitos.
“Temos vários níveis de monitoramento para manter um lugar seguro”, diz Dorchester.
Para que esse espaço seguro seja ainda mais acolhedor, os cofundadores esperam que seu aplicativo alimente mudanças fundamentais em algumas nomenclaturas usadas há muito tempo dentro do universo da saúde mental – palavras que podem contribuir para o estigma.
Em vez de referenciar “doenças mentais”, por exemplo, os cofundadores usam o “bem-estar mental”. Eles também estão tentando outras versões: “bem-estar interior” e “bem-estar integral”.
“Esperamos que as pessoas falem sobre as coisas de maneira diferente”, comenta Gonzales. “Queremos encorajá-las a usar novas palavras para que possam começar novas conversas.”
No alto, foto de Jeff Dorchester. Todas as imagens são cortesia da iRel8.