As mulheres por trás do Minecraft estão construindo um mundo melhor por meio do poder do jogo, bloco por bloco
Por Athima Chansanchai.
Åsa Bredin, que se tornou chefe de estúdio da Mojang Studios em 2023, entrou no mundo dos jogos por meio da engenharia há mais de 15 anos, mas foram seus filhos que a apresentaram ao Minecraft, a franquia multibilionária que a Mojang criou e que continuou evoluindo em diversas maneiras. Eles se tornaram o que ela chama de superusuários.
Como muitos pais, ela sentia que era um espaço seguro para os seus filhos construírem e explorarem mundos virtuais. Mas, ao contrário da maioria dos pais, ela desempenha um papel importante nos bastidores do jogo mundialmente popular.
Um de seus momentos de maior orgulho foi quando seus filhos derrotaram o dragão no final do jogo e viram seu nome nos créditos.
“Mesmo sabendo que trabalho lá, foi um grande momento”, brinca ela. “Você tem de trabalhar duro com adolescentes para ser legal.”
Bem-vindo ao Overworld
Ao entrar no Minecraft, você entra no Overworld. É onde você inicia sua jornada de mil blocos em um ambiente 3D em constante expansão. O jogo é uma caixa de areia onde você pode criar e explorar no seu próprio ritmo, brincar com outras pessoas, realizar missões e muito mais.
Para algumas das mulheres que trabalham nos bastidores, a sua jornada na indústria dos jogos começou há décadas. Para outras, é um caminho mais recente. Mas todas abraçam temas de colaboração, liberdade e conexão refletidos no jogo e em suas vidas.
Numa indústria dominada pelos homens, são mulheres que ajudam outras mulheres. Eles falam por aquelas que não estão à mesa com elas. Cada uma delas, por vezes, foi a única mulher nas reuniões.
Seus exemplos de vida incluem suas mães, bem como mulheres pioneiras em matemática/ciências, Xbox e outros estúdios de jogos, como Ada Lovelace, Grace Hopper e Shannon Loftis. Agora, elas estão entre os exemplos para mulheres em início de carreira que buscam caminhos nos jogos. Elas participam e palestram em eventos para Women in Gaming (Mulheres nos jogos, em português), incentivando outras a assumirem riscos e perseguirem suas paixões.
Quando jogam Minecraft, eles caminham em direção ao modo criativo, onde podem relaxar explorando, construindo e cavando profundamente em seus próprios espaços.
Nem todos são pais, mas perceberam desde cedo que este era um jogo em que os pais confiavam, graças à ferramentas como Minecraft Realms, servidores pessoais onde famílias e amigos podem jogar em mundos compartilhados entre dispositivos.
Quinze anos depois de sua estreia e uma década depois que a Microsoft adquiriu a Mojang, o Minecraft é jogado em todos os países e territórios. Em 2021, os conteúdos de Minecraft ultrapassou 1 trilhão de visualizações no YouTube.
Representação importa
Passando pela carreira de engenharia, a ascensão de Bredin veio acompanhada de muitos insights e lições que ela compartilha com outras mulheres.
“Só posso falar com base na minha experiência, mas diria que os números são importantes. Fui a única mulher em muitas reuniões. Principalmente quando você ocupa cargos de liderança em engenharia, é preciso mostrar como os jogos são ótimos para todos e garantir que mais meninas participem de disciplinas STEM – Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (sigla traduzido para o português)”, diz ela. “Também há muito mais nos jogos. Acredito que as pessoas fora desse universo não percebem os diferentes tipos de carreiras disponíveis”
Ela aponta para as diversas funções dentro da engenharia, trabalhando na jogabilidade ou na plataforma. Na produção, os produtores mantêm o projeto alinhado a uma linha do tempo, enquanto os criativos podem contribuir para o jogo por meio de animação, dublagens, iluminação, escrita narrativa etc.
“É preciso muita gente para construir um grande jogo”, diz Bredin. “Há algo para todas. Queremos encorajar as pessoas a explorarem aquilo que as apaixonam e se divertirem.”
A Entertainment Software Association relata que 46% dos jogadores de videogame se identificam como mulheres.
No início de sua carreira em tecnologia e jogos, Ada Duan raramente via outras pessoas que se parecessem com ela – uma mulher asiático – americana.
Mas ela cresceu com uma mãe cuja carreira de três décadas nos EUA e na Ásia mostrou-lhe como alguém pode desenvolver-se continuamente em diferentes funções, ao mesmo tempo que mantém uma forte ética de trabalho e dedicação às suas equipes.
Agora, como gerente geral de Produtos de Crescimento e Parceiros da Mojang, ela vê mulheres constituindo metade da equipe de liderança. E isso é importante para atrair e reter talentos diversos, já que os membros da equipe do estúdio atribuíram a forte representação feminina na liderança como a razão pela qual as pessoas ingressam e permanecem na empresa. Ela também é patrocinadora executiva do Asians at Xbox, um grupo de recursos de funcionários da Microsoft que se concentra em atividades de construção de comunidade, como a celebração recente do ano lunar do dragão. Para Duan, também é importante ter representação nos jogos de Xbox e Minecraft, com mais jogos do que nunca de criadores asiáticos e envolvendo personagens asiáticos.
“Existem mais de 3 bilhões de jogadores no planeta hoje e, para alcançá-los, é muito importante ter estilos de jogos diferentes ou jogos e histórias que realmente ressoem”, diz ela. “Isso também significa ter equipes mais diversas para trazer mais diversidade de pensamento.”
Duan aponta iniciativas como o Programa de Aceleração de Desenvolvedores do Xbox, que apoia e capacita criadores sub-representados. Dentro do Minecraft, a equipe está procurando um manual semelhante para seus criadores.
“Há uma intenção de diversificar nosso conjunto de criadores em termos de trazer conteúdo para o Minecraft”, diz ela.
Kayleen Walters, vice-presidente de Desenvolvimento de Franquia da Mojang, acrescenta que o estúdio busca oportunidades para destacar mulheres criadoras e criadoras de outros grupos sub-representados por meio de diferentes focos e do evento anual Minecraft Live extravaganza. Os parceiros do Minecraft Marketplace geraram centenas de milhões de dólares em receitas com mais de 1 bilhão de downloads de skins, mundos e outras experiências personalizadas.
Embora a diretora de operações Annie Chenn esteja na indústria de jogos há mais de 20 anos e tenha trabalhado em Star Wars Battlefront, Battlefield e outros títulos famosos, seus sobrinhos lhe deram dicas sobre o que torna o Minecraft diferente de outros jogos.
“O que mais me orgulha é que nosso time e nosso jogo são inclusivos. Acho que se você conversar com a comunidade de jogos em geral, eles dirão que Minecraft é uma comunidade muito acolhedora, em comparação com muitos jogos que existem por aí”, diz ela.
Muitos caminhos para jogar
A trajetória de Chenn nos jogos incluiu o estudo de assuntos que na época não estavam diretamente relacionados aos jogos – como planejamento urbano – então ela nunca pensou que houvesse uma carreira para ela.
“Resumindo a história, aqui estou. A cultura, a criatividade, a diversão, a fusão da tecnologia com a criatividade foram realmente inspiradoras para mim”, diz Chenn. “Já se passaram mais de 20 anos. Claro, houve alguns contratempos pelo caminho, mas nesse tempo eu acabei assumindo diferentes papéis, desde negócios e estratégia, até lançar jogos na linha de frente com as equipes, e isso acabou me levando recentemente a Estocolmo para trabalhar com a DICE [o estúdio de jogos].””
Esse estúdio de jogos a levou a conhecer Helen Chiang, chefe do estúdio da Mojang que precedeu Bredin (Chiang é agora a diretora de operações da Game Content and Studios).
“Fiquei super intrigada porque nunca vi ninguém liderando um estúdio que se parecesse comigo”, diz Chenn. “Na minha carreira trabalhei principalmente com homens. Fui até a única mulher, exceto pela recepcionista. Essa tem sido a minha realidade.”
Ela se sente afortunada por ter tido um grande mentor e acredita que os aliados são importantes para conseguir que mais mulheres estejam à mesa e nessas reuniões, tomando decisões.
“Foi ele quem me abriu as portas quando eu não tinha ninguém para me defender porque não tinha lugar à mesa. Ele me defendeu e acho que precisamos de mais disso para realmente fazer essa mudança”, diz Chenn. “Quer você seja nova ou já esteja na carreira há mais de 20 anos, a síndrome da impostora é real. Está sempre lá e acho que é porque as mulheres estão em menor número nesta indústria. Acho que melhorou muito desde quando comecei, mas acho que ainda há um longo caminho a percorrer para que as mulheres encontrem a sua voz. É inspirador ver quando há líderes como Helen, e acho que só precisamos de mais mulheres mostrando que isso é possível.”
Walters, que também fez uma espécie de curva passando pelo segmento de entretenimento e dos filmes até chegar aos jogos, diz que a mentoria é uma forma de mostrar a outras mulheres o que é possível.
“É importante guiar e apoiar as mulheres”, diz ela. “A mentoria não é apenas uma forma de compartilhar seu conhecimento e experiência, mas também uma forma de capacitar e inspirar a próxima geração de mulheres nos jogos. E é importante mostrar-lhes as possibilidades e oportunidades que existem. Às vezes, quando você está tendo um dia difícil, você só precisa de alguém que mostre o outro lado. Acho que é um grande presente não apenas para as pessoas que você orienta, mas para você mesmo.”
Sua própria experiência fora dos jogos é um bom exemplo de como todos os tipos de experiência podem entrar na indústria.
“Fiquei apreensiva porque não tenho uma grande experiência em jogos. Mas quando conheci a equipe e aprendi mais sobre o Minecraft, achei que era a combinação perfeita”, diz Walters. “Eu poderia unir o meu conhecimento de entretenimento e ajudar a promover essa marca incrível, porque quando você olha para o Minecraft, ele tem valores e ideais muito fortes e adoro a ideia de apenas ampliá-la nos pontos de contato do entretenimento.”
Vá em frente
“No início da minha carreira eu não falava abertamente e foi preciso coragem ou aprendizado para chegar ao ponto em que me sentisse confortável com isso”, diz Bredin. “Pode ser desconfortável, mas você aprende com o tempo e segue em frente.”
“Eu diria para entrar em contato com alguém do setor, seja um ex-aluno da sua escola ou alguém que você viu em um painel, basta iniciar uma conversa e começar a construir sua rede”, diz Duan. “Todos nós começamos em algum lugar. Você pode encontrar muitas pessoas dispostas a compartilhar suas histórias e apoiar sua jornada neste setor.”
“Fazer parte de estúdios que colocam o jogo nas mãos dos jogadores muito rapidamente significa que você pode sentir esse impacto, o que repercute e o que não ressoa”, diz Chenn. Se eu tivesse o Minecraft aos 5 anos no meu Game Boy, sei que hoje seria uma criadora”
Walters, que ingressou na Mojang após 13 anos na Lucasfilm, incentiva as mulheres em início de carreira a “permanecerem firmes” nas competitivas e exigentes indústrias de jogos e entretenimento.
“Você definitivamente encontrará obstáculos e contratempos. Se é algo pelo qual você é apaixonada, nunca desista, certo? Encontre maneiras de superar. Mude a rota quando precisar, mas encontre maneiras de atingir seus objetivos. Isso pode significar aprender novas habilidades, buscar novas oportunidades ou fazer networking com outras pessoas”, diz ela. “Tenham certeza de que podemos fazer isso, mas também sejam colaborativas, solidárias, curiosas e aventureiras. Seja resiliente e persistente.”
Construindo um mundo melhor
“Um dos principais motivos pelos quais entrei na empresa é nosso propósito, que é construir um mundo melhor por meio do poder do jogo”, diz Duan, que trouxe para o Minecraft Education a experiência de trabalhar na LucasArts e na Leapfrog em aprendizagem baseada em jogos.
Sua equipe é responsável por levar os jogos do Minecraft aos jogadores em uma variedade de plataformas em consoles, PC e dispositivos móveis.
“Quando entrei na Mojang, há três anos, foi como um regresso a casa poder trabalhar numa IP [propriedade intelectual] que é tão universal como o Minecraft e compreender o impacto que poderíamos ter no mundo.”
Para Walters, que lidera os esforços para oferecer novas experiências e expandir fora do jogo principal do Minecraft, isso significa estender o espírito do jogo para o entretenimento. Ela recentemente começou a trabalhar em um filme do Minecraft em andamento.
Somente o negócio de produtos de consumo da Minecraft dobrou em receita nos últimos dois anos.
“O Minecraft tem centenas de milhões de jogadores, mas tem ainda mais fãs. Eles se envolvem por meio de nosso conteúdo, então podem estar on-line no YouTube, seguir mídias sociais ou comprar produtos de consumo. Por isso, queremos ter certeza de que estamos expandindo nosso ecossistema e criando conteúdos para todos os fãs do Minecraft, incluindo aqueles que não vou brincar”, diz Walters. Algumas dessas colaborações nos últimos anos incluem Crocs e Burberry.
Mas mesmo que o Minecraft se expanda para tantas partes da sociedade e da cultura, os seus valores permanecem no curso.
“Acredito que a forma como o Minecraft abraça a diversidade e a inclusão, bem como a segurança, faz dele um jogo explorado por centenas de milhões de pessoas em todo o mundo”, diz Walters. “É muito importante que cada jogador se sinta representado e que ctenha uma experiência segura e agradável.”
“É realmente uma honra representar o Minecraft. É uma franquia icônica, um fenômeno cultural. Todas as nossas equipes se orgulham de tudo o que fazem”, afirma Bredin. “Meu trabalho é garantir que eles tenham o que precisam para continuar fazendo isso e construir ótimas experiências.”