Ferramenta de IA usa som para identificar canos com vazamento, economizando água potável preciosa

Close de uma mão segurando um sensor FIDO azul, com um elástico para prendê-lo aos canos.

Na batalha para economizar água, os canos com vazamento formam um inimigo ardiloso. Afinal, eles respondem por perdas médias de 30% de água potável encanada em todo o mundo, podendo chegar até 70% em algumas localidades. Para agravar a situação, os vazamentos podem ser muito difíceis de identificar, mas uma nova ferramenta de IA está tornando o processo mais rápido e preciso.

Um X branco marca um hidrante com vazamento no distrito de água de San Tan, a sudeste da região metropolitana de Phoenix, nos Estados Unidos. O vazamento médio é de 11 a 26,5 litros por minuto. Isso se acumula rapidamente, com cada dia de vazamento equivalendo ao consumo médio de água de 43 residências.

Nesse caso, os indícios típicos de um vazamento não estão presentes – sem poças, sem vegetação inesperada na paisagem do deserto, sem rua desmoronada. A água está vazando pelo fundo do hidrante.

“Isso é algo que provavelmente teria vazado até o próximo ciclo de manutenção de hidrantes, que pode ser de até cinco anos”, diz Jacob Rogers, diretor de divisão da EPCOR, a maior concessionária privada de água do Arizona.

Contudo, esse vazamento foi detectado mais cedo, graças a uma ferramenta acústica de IA desenvolvida pela FIDO Tech, cuja tecnologia não apenas detecta vazamentos com mais precisão de localização, mas também os classifica por tamanho para que as concessionárias possam priorizar qual reparar primeiro. A FIDO, com sede em Oxford, no Reino Unido, está trabalhando com várias concessionárias, como a EPCOR no Arizona e a Comissão Estadual de Água em Querétaro, México, como parte de um programa da Microsoft para agir com responsabilidade, reabastecendo a água nas mesmas bacias hidrográficas em todo o mundo onde a empresa tem operações, incluindo datacenters.

Uma abertura na calçada revela canos de água com sensores acoplados.
Um sensor FIDO é fixado a conexões de tubos em uma câmara de inspeção em Londres, onde a FIDO e a Microsoft estão trabalhando com a Thames Water. Foto: Divulgação/Microsoft.

O reabastecimento pode assumir diferentes formas. As táticas incluem a coleta de água da chuva e a conservação de faixas de terra para devolver a água à fonte; melhorar o acesso ou a qualidade da água para comunidades em bacias hidrográficas onde a Microsoft opera.

A Microsoft investiu em um portfólio global de mais de 75 projetos de reabastecimento diversos até o final de junho de 2024. A companhia está trabalhando com Audubon Dakota para restaurar habitats de pradaria em Fargo, Dakota do Norte (EUA), com um coletivo na Cidade do Cabo, África do Sul, para limpar espécies invasoras e restaurar a captação de água, e adquirir paliativos de conservação para ajudar a recarregar o Aquífero Edwards no Condado de Comal, Texas (EUA). Um contrato com a Nação Apache Jicarilla, no Novo México (EUA), visa proteger espécies de peixes ameaçadas e melhorar a segurança hídrica naquele estado, enquanto a restauração de lagoas em Karnataka, na Índia, ajuda a recarregar as águas subterrâneas dessa comunidade.

“Há também projetos que financiamos que aumentam a eficiência e diminuem o uso geral da água, aumentando assim a disponibilidade para a bacia e as comunidades locais”, explica Eliza Roberts, diretora de água da Microsoft.

Esse é o caso da colaboração da Microsoft com a FIDO, que começou em 2023 com um contrato para detectar vazamentos em parte de Londres para a concessionária Thames Water. A Microsoft também ajudou a FIDO a desenvolver sua tecnologia de detecção de vazamentos durante os hackathons da Microsoft em Londres. A ferramenta da FIDO usa o GPT-4 da OpenAI no Microsoft Azure OpenAI Service para levar a detecção acústica de vazamentos a um novo nível.

A tela de um tablet exibe um gráfico de linhas com alguns picos extremos.
A IA da FIDO analisa os dados em segundos e pode identificar imediatamente a assinatura única de um vazamento em um cano. Foto: Divulgação/Microsoft.

A ferramenta de IA da FIDO pega arquivos acústicos de pequenos sensores móveis colocados em redes de tubulação de água e, em seguida, “deixamos a IA fazer todo o trabalho a partir desse arquivo acústico em qualquer lugar do mundo. Não precisamos saber o material do tubo, a profundidade e o seu tamanho. Os canos de água são muito barulhentos. Podemos dizer se esse ruído que ele ouve é um vazamento ou não. A IA corta todo esse ruído e diz que é definitivamente um vazamento”, explica Victoria Edwards, CEO e cofundadora da FIDO.

A FIDO também está implantando sua detecção de vazamento de IA por meio  da Water United, uma nova iniciativa cocriada pela Microsoft e outros parceiros para unir os setores público e privado em toda a bacia do rio Colorado, que fornece água para mais de 40 milhões de pessoas em sete estados dos EUA, incluindo 30 tribos indígenas. Começando por dimensionar a implantação de IA para detectar e reparar vazamentos, o objetivo da Water United é conectar conjuntos de dados usando a tecnologia da FIDO, validar a eficácia de outras soluções, como eficiência hídrica agrícola e, finalmente, construir a ferramenta de IA para resiliência hídrica de longo prazo em nível de bacia hidrográfica. Um dos primeiros participantes da Water United é o Las Vegas Valley Water District, uma concessionária de água sem fins lucrativos que fornece água para mais de 1,7 milhão de pessoas. A água é especialmente preciosa na árida bacia do rio Colorado, bem como no Arizona e no México.

A Microsoft paga à FIDO pela detecção de vazamentos e as concessionárias pagam pelos reparos – que elas teriam que cobrir de qualquer maneira. O volume de água economizado com o suporte da Microsoft contará para a meta da empresa de reabastecimento proporcionalmente ao valor investido em comparação com o custo total de detecção e reparo dos vazamentos, diz Roberts.

Vazamentos desperdiçam mais do que água

Parar os vazamentos de água municipais evita o desperdício e aumenta a disponibilidade de água para os clientes e comunidades que uma concessionária atende. Para as comunidades envolvidas, os vazamentos representam não apenas a perda de água, mas também o custo de bombeá-la, de transportá-la – o que requer tubos enormes e uma energia tremenda para empurrá-la, porque é muito pesada –, de filtrá-la e dos produtos químicos necessários para tratá-la. Essa água perdida é chamada de água não faturada porque nunca chega a um cliente pagante. Em vez disso, todos pagam a conta.

“Adquirimos concessionárias problemáticas no Arizona que tinham de 30% a 40% de perda de água”, diz Shawn Bradford, vice-presidente sênior de água regulamentada no Arizona e no Novo México da EPCOR, que trabalha com a FIDO no programa da Microsoft há cerca de um ano. “Estamos tendo que bombear 40% mais água do que o necessário apenas para cobrir os vazamentos que ocorrem ao levá-la do poço ou da estação de tratamento de água para as residências, e esse é um custo tremendo que todos os clientes enfrentam.”

San Tan Valley, Arizona, é uma comunidade desértica em rápido crescimento.

A EPCOR cortou a água não faturada de 27% para cerca de 10%, em parte graças à FIDO. A FIDO fornece sensores que são colocados de forma que toquem um tubo, seja em cima de um cano de fácil acesso, em um hidrante, em uma câmara de válvulas ou em uma torneira, diz Edwards, da FIDO. A EPCOR tem 4.554 desses sensores em sua rede de tubulação na área de serviço de San Tan de 414 quilômetros quadrados. Os sensores registram tudo, até mesmo os ruídos mais baixos e silenciosos.

“O som se propaga de maneira diferente em variados materiais, assim como em uma orquestra escolar. Você sabe, quanto mais longo o trombone, mais longo o tubo, mais profundo o som em comparação com o trompete, com menor comprimento e maior frequência. Os maiores vazamentos são os mais silenciosos – o ouvido humano não pode ouvi-los – especialmente em um tubo de plástico “, diz Edwards.

As concessionárias há muito confiam em dispositivos acústicos para detectar vazamentos. A tecnologia da FIDO vai um passo além, executando os dados que seus sensores coletaram por meio de uma ferramenta de IA de aprendizado profundo (deep-learning) que aprendeu a determinar com precisão se um ruído é causado por um vazamento ou outra coisa, como máquinas ou um trem. Ele também pode avaliar o tamanho do vazamento e identificar sua localização. O outro benefício da tecnologia da FIDO é que os técnicos das concessionárias podem interagir facilmente com a IA em linguagem natural.

A EPCOR também usou detectores acústicos de vazamento em outros lugares, mas “você tem que gastar muito tempo tentando descobrir exatamente onde, entre esses dois dispositivos, o vazamento está realmente localizado”, diz Bradford. “O benefício do FIDO é que ele pega todos esses dados brutos e os executa por meio de IA para ajudar a identificar onde está o vazamento. A FIDO, em particular, pode fazer isso em tubos de plástico, o que sempre foi um desafio para a indústria – o vazamento não ressoa como em tubos de metal.”

A falta de ressonância em tubos de plástico significa que muitos detectores de vazamento acústico têm dificuldades. No entanto, a maior parte da nova infraestrutura de tubulação é de plástico, ou PVC, porque é mais leve e fácil de manobrar, facilitando a instalação e o reparo. Além disso, o tubo de plástico é mais adequado à química do solo no sudoeste dos EUA, diz Bradford, e domina o Vale de San Tan, que se desenvolveu nas últimas três décadas e continua a estar entre as comunidades de crescimento mais rápido dos EUA. A concessionária também possui tubos de metal – alguns têm de 60 a 70 anos e ainda estão em ótimas condições. Os canos podem quebrar por vários motivos além da idade – por exemplo, mudanças no solo devido aos ciclos de congelamento e descongelamento. Em San Tan, de rápido crescimento, os vazamentos tendem a ocorrer em áreas em construção.

Antes da FIDO, a concessionária dependia de imagens de satélite para detectar revelações como vegetação verde crescendo em lugares improváveis, diz Roger. Mas essa vegetação não brota da noite para o dia – leva dias ou semanas para crescer. A FIDO pode encontrar vazamentos muito mais rapidamente.

Uma solução rápida e flexível

A IA também analisa o mapa de rede da concessionária para aconselhar onde colocar os sensores para evitar pontos surdos, diz Edwards. Os resultados chegam imediatamente. “Você pode deixá-lo durante a noite ou por anos a fio”, diz ela. Os sensores são fáceis de mover para monitorar diferentes faixas da infraestrutura da tubulação.

Os sensores também podem ser colocados em ambos os lados de um vazamento após o reparo, para garantir que a correção seja bem-sucedida ou para detectar se a escavação durante o reparo causou outro vazamento. E então os sensores podem ser movidos para começar a detectar em uma parte diferente da rede. Enquanto isso, a IA da FIDO pode avaliar o volume provável de vazamento de água para que o trabalho de reparo possa ser priorizado para obter o máximo impacto.

O hidrante com vazamento marcado com um X acabou por ter uma vedação defeituosa e o reparo foi rápido. Nem todos os vazamentos são corrigidos com tanta facilidade. O reparo de tubos enterrados pode exigir a escavação de buracos. A precisão na localização de vazamentos é essencial para evitar rasgar ruas, calçadas ou quintais mais do que o necessário. Não é apenas uma questão de minimizar a interrupção do tráfego – a concessionária é obrigada a repavimentar a rua após o reparo, o que representa um custo significativo que cresce com o tamanho da escavação.

Bradford se lembra de alguns vazamentos excepcionais ao longo de sua carreira em diferentes locais, como um grande vazamento que surgiu no Natal na costa leste dos EUA. Em meio ao frio e à neve, a equipe escavou o vazamento, mas “não conseguimos encontrá-lo. Podíamos ver a água correndo para a trincheira, mas não sabíamos de onde era”, diz ele.

Eles usaram a tecnologia tradicional de detecção acústica de vazamentos e determinaram que o vazamento estava seis metros mais adiante na estrada. Então eles cavaram mais seis metros, mas ainda não encontraram a fonte do vazamento.

“Acabamos subindo cerca de 46 metros na estrada para encontrá-lo”, diz Bradford. A rua estava uma bagunça, mas pior, por ser um vazamento muito grande, estava fazendo com que as casas vizinhas perdessem água ou experimentassem uma pressão muito baixa.

Outra vez, em Edmonton, Canadá, a equipe de Bradford perseguiu um vazamento que estava jorrando cerca de 50 milhões de litros por dia, que levou quatro dias para ser encontrado. A dificuldade era que Edmonton é uma cidade muito grande, com mudanças dramáticas no tamanho da população e extremos climáticos – ambos fatores que podem causar vazamentos. O vazamento acabou sendo encontrado em um empreendimento em construção, então ninguém percebeu que a água estava vazando do solo e correndo para a coleta de águas pluviais.

Em contraste, em um ano, a EPCOR identificou mais de 250 vazamentos no Vale de San Tan, no Arizona, disse a empresa.

Reparar vazamentos é uma tarefa de Sísifo. “Você sempre terá novos vazamentos”, diz Edwards, da FIDO. Os culpados incluem fatores ambientais, como o assentamento do solo perto do tubo, construção próxima e corrosão. Tubos com pequenos vazamentos são “como dentes com cáries – eles nunca melhoram. Eles não se consertam “, diz ela.

A natureza interminável da manutenção de tubulações é o motivo pelo qual a Microsoft se comprometeu com um programa de uma década com a FIDO e as ferramentas que ela está provendo com sua detecção de vazamento de IA.

“Os desafios da água podem ser complicados e assustadores. E, no entanto, existem muitas maneiras simples de economizar água e garantir que estamos obtendo o máximo valor de cada gota”, diz Roberts. “Usar IA para identificar e validar o reparo dos vazamentos é apenas um exemplo e estamos entusiasmados em alavancar parcerias como esta para dimensionar nosso

Imagem superior: Um sensor FIDO se conecta facilmente a qualquer conexão ou tubulação que transporta água potável sem a necessidade de interromper o abastecimento de água. Foto: Microsoft.