Indígenas do Xingu buscam preservar autonomia e o futuro da geração mais jovem com tecnologia 

Aulas de ferramentas digitais para a Atix

Pais ao redor do mundo buscam uma boa educação tecnológica para seus filhos, a fim de ampliar suas oportunidades de carreira e fornecer ferramentas que melhorem suas vidas. Os povos indígenas do Xingu não são exceção. 

Mas o plano deles não para por aí. Os líderes dos 16 povos indígenas do Território Indígena do Xingu já têm um plano para fornecer a todos acesso a ferramentas e tecnologias emergentes para um objetivo ainda maior: manter sua autonomia. 

Localizado na região nordeste do Estado do Mato Grosso, na região sul da Amazônia Brasileira, está o Território Indígena do Xingu, um território com mais de 2 milhões e 600 mil hectares de terra, que abriga atualmente 16 povos indígenas. Entre eles estão os Aweti, Ikpeng, Kaiabi, Kalapalo, Kamaiurá, Kĩsêdjê, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nahukuá, Naruvotu, Wauja, Tapayuna, Trumai, Yudja e Yawalapit.  

A 10 horas de distância dali, considerando uma viagem de carro, ou 7 horas de barco, está a cidade de Canarana, onde a ATIX, Associação Terra Indígena Xingu, uma instituição focada em proteger e defender os direitos dos povos xinguanos esta baseada. O trabalho realizado por ela passa desde levar informações relevantes para a população local até desenvolver a economia e preservar o meio ambiente e a cultura desses povos. 

“Trabalhamos com diversas organizações indígenas que desenvolvem ações voltadas para a valorização da cultura dos povos indígenas, defesa territorial e garantia de direitos sociais. Tornaremos essas entidades mais autônomas, fornecendo-lhes os recursos necessários, principalmente em tecnologia,” afirma Ianukulá Kaiabi Suia, presidente da ATIX. 

“Dessa forma, elas saberão como utilizar essas ferramentas a seu favor, tanto na gestão dessas organizações, quanto no trabalho realizado no dia a dia” 

Aluna da ATIX, Associação Terra Indígena Xingu, em curso da Microsoft, em parceria com a Recode

Foi lá, na sede da ATIX, em Canarana, que aconteceu uma série de treinamentos voltados para capacitar a população indígena em tecnologia. O objetivo dessa iniciativa, realizada em parceria com a Recode, organização que promove a capacitação tecnológica de comunidades de baixa renda, é fortalecer as habilidades digitais e as trilhas de conhecimento abordaram o desenvolvimento de habilidades digitais, tecnologias para o futuro, ferramentas digitais para o mundo do trabalho contemplando o conhecimento em soluções da Microsoft como o M365, que possui softwares como o Word, Power Point e Excel, além de novas tecnologias como a Inteligência Artificial e a computação em nuvem. 

Esse letramento digital vem justamente de uma demanda que a Ianukulá já observava na comunidade e endereçará a ampliação da autonomia do povo xinguano. Foram treinados 20 membros da equipe de liderança de organizações do Xingu e 20 multiplicadores – pessoas que fazem parte do trabalho desenvolvido pela ATIX e outras organizações da comunidade – e que terão o papel de se tornar instrutores de tecnologia e levar o conhecimento adquirido para os habitantes das aldeias do Alto Xingu, Médio Xingu, Baixo Xingu e Leste Xingu. 

Outra prioridade é expandir essa educação tecnológica para as gerações mais jovens. 

“Isso incentiva nossa população, especialmente os jovens, a terem uma visão mais ampla das oportunidades que podem surgir com a tecnologia, por exemplo, na área de audiovisual”, explica Alawero Meynako, uma das lideranças que participou do treinamento e atua como Coordenadora de Campo na ATIX. 

“Temos a meta de capacitar as comunidades para organizar produções audiovisuais, eventos, utilizando os benefícios da tecnologia para apoiá-las. Além de dar protagonismo ao nosso povo sob uma ótica de múltiplas tarefas desempenhadas por nós e para nós”, acrescenta Alawero. 

Segundo Alawero, a iniciativa está tendo um impacto positivo na comunidade, especialmente no que diz respeito ao acesso a informações que não chegavam facilmente à região antes, aumentando a educação digital nas comunidades como um todo e capacitando o povo Xingu a acompanhar os avanços tecnológicos. 

Levar para todas as aldeias informações sobre o que acontece no território do Xingu, incluindo pautas importantes como a preservação do território, acontecimentos nacionais e políticas públicas é uma das atividades desenvolvidas pelas organizações que atuam na região. Alawero diz que a comunicação feita é bem eficiente e ela acredita que isso se deve, principalmente, a facilidade que hoje as organizações têm ao usar a internet e suas respectivas ferramentas.  

Alunos da ATIX, Associação Terra Indígena Xingu, em curso da Microsoft, em parceria com a Recode

Incorporando tecnologia na economia 

A rotina de trabalho das organizações que atuam no Xingu traz diversas atividades que tanto instituições do setor público, quanto privado, executam diariamente. Isso implica em atividades administrativas, de escritório, geração de planilhas, envio de e-mails, ofícios, documentos, entre outros. Ao ter acesso aos treinamentos, não só esse tipo de atividade é aprimorada, como os diferentes trabalhos em relação a escutar as comunidades e desenvolver maneiras de atender suas necessidades são impactados. “ Esses conhecimentos nos fortalece e permite que a gente deter o poder de executar o que antes era desempenhado por pessoas não-indígenas. Ou seja , depois do curso de capacitação, temos mais recursos para utilizar ferramentas de e-mail, produzir documentos e ter uma relação mais positiva com o computador. Isso contrubui com o desenvolvimento tecnológico da comunidade e certamente irá gerar frutos para as outras gerações futuramente”, conclui. 

As atividades econômicas do Xingu envolvem, principalmente, a agricultura de subsistência, o que significa que as famílias produzem seus alimentos para prover suas moradias. Também existem aquelas que comercializam os alimentos que produzem como fonte de renda. Além da agicultura, a produção de artesanatos indígenas é uma das outras atividades econômicas mais comuns nas comunidades do Xingu. Essas atividades podem ser beneficiadas com o uso da tecnologia para modernizar os processos, seja para a organização da produção, controle de inventário, precificação, entre outros. 

Os multiplicadores capacitados no projeto serão os elos para levar esses conhecimentos à aldeia e aplicá-los nas atividades realizadas localmente. Memketxi Txicão, que mora na aldeia Araió, localizada no médio Xingu, é um deles. A jovem, de 19 anos e trabalha como comunicadora da rede Xingu+, diz que aprendeu muito com a capacitação e teve acesso a tecnologias que não havia interagido antes, como os programas que foram aplicados no treinamento. “Pretendo usar essa formação para ajudar minha comunidade e não só o povo da minha aldeia como o de outras também. Sempre estudei na aldeia, do ensino fundamental, ao médio, mas essa foi a primeira vez que tive esse tipo de treinamento. Esse conhecimento será uma ferramenta de luta para o meu povo e o território do Xing”, afirma Memketxi. 

A fala de Memketxi corrobora com o discurso de Ianukulá, que destaca fazer parte da política interna da comunidade que todo jovem que busca conhecimentos fora da terra indígena, tem o compromisso de aplicar o saber adquirido com os povos indígenas de sua comunidade. Essa é uma forma de desenvolver a região onde se vive e gerar um ciclo de troca inesgotável entre as aldeias. 

“A ATIX representa juridicamente as cerca de 8 mil pessoas que habitam o terrtório indígena do Xingu. Nosso papel é enteder as necessidades dos nossos povos e, para isso, criamos uma ferramenta de gestão que nós chamamos de Plano de Gestão Territorial. Esse documento foi elaborado há alguns anos e tem a finalidade de apontar quais são as principais demandas dos povos. Uma delas é exatamente a área de formação do Xingu”, diz Ianukulá. “Ao treinar nossos jovens, criamos um ecossistema de ganho para toda a comunidade, pois nossos valores incluem repassar o que adquirimos aos outros, e isso gera apropriação de conhecimento para o povo indígena”, completa.