Como se levasse toda uma equipe científica para a caminhada, o iNaturalist ajuda a criar uma geração de cientistas cidadãos

Por Susanna Ray //

Jennifer Rycenga costumava ficar deprimida quando pensava no meio ambiente. Os impactos da mudança climática fizeram com que a ávida observadora de pássaros se sentisse impotente.

Até que uma cascavel apareceu em seu caminho durante uma caminhada seis anos atrás.

Quando ouviu o chacoalho do rabo da cobra, Rycenga parou de repente e virou a câmera para a trilha. A foto que ela tirou não cabia em nenhum de seus sites habituais de observação de pássaros, então, ela procurou outra maneira de compartilhá-la e encontrou um aplicativo, novo na época, chamado iNaturalist. E assim, 30 anos de obsessão por pássaros explodiram em uma abertura de biodiversidade e esperança.

Rycenga, professora de estudos religiosos comparativos na Califórnia, agora publica de 400 a 500 fotos por mês de líquenes, répteis, borboletas e outros seres vivos, fazendo dela uma “usuária ativa do iNat” entre os 600 mil membros do site gratuito. Tanto cientistas amadores quanto especialistas ajudam a identificar os assuntos uns dos outros e a oferecer detalhes sobre eles – agora cada vez mais apoiados pela inteligência artificial (IA). As observações são arquivadas com seus detalhes geográficos, e as de maior qualidade são adicionadas a bases de dados científicas globais, onde podem ser usadas para estudar o retorno de cogumelos após secas severas na Califórnia, por exemplo, ou pesquisar quais espécies sobreviveram aos incêndios do ano passado.

“Documentar e prestar atenção à vasta biodiversidade ao nosso redor é algo que todos nós podemos fazer que realmente ajuda, e isso não drena nossos espíritos, mas os alimenta”, disse Rycenga. “Estamos todos ensinando e aprendendo uns com os outros e fazendo contribuições que são valiosas, e é uma das coisas mais gratificantes da minha vida.”

A plataforma iNaturalist transforma os amantes da natureza em cidadãos cientistas, coletando imagens ao redor do mundo que, agora, podem ser identificadas com IA e usadas nas pesquisas científicas. (Foto: Nerds4Nature)

A paixão de Rycenga pelo iNaturalist – ela celebra seu aniversário de aplicativo a cada ano – ajuda a explicar seu crescimento explosivo.

O número de usuários dobrou a cada ano desde que Ken-ichi Ueda e Scott Loarie lançaram o aplicativo em 2011, para seguir com um site que teve suas origens como projeto final de mestrado, em 2008, para Ueda e alguns colegas. Os usuários agora postam meio milhão de fotos ou gravações de áudio por mês. E a plataforma foi além de seu começo como uma rede social conectando cientistas e amantes da natureza, para estar na vanguarda da aplicação da visão computacional ao processo de identificação e categorização de postagens de usuários para uso científico – e curiosidade.

Usuários amadores do iNaturalist descobriram novas espécies, incluindo aquelas que foram consideradas extintas. Eles descobriram um comportamento não documentado e fotografaram organismos que antes só haviam sido esboçados em uma das expedições do capitão Cook, em 1700. A plataforma promoveu amizades e provocou epifanias que mudaram o curso de carreiras. E seus dados têm sido usados não apenas para pesquisa científica, mas para moldar decisões e políticas governamentais.

“O iNaturalist é revolucionário – não há outra palavra para ele – porque é uma ferramenta que faz a ponte entre a natureza e a tecnologia”, disse Sam Kieschnick, que usa o aplicativo em seu trabalho como biólogo urbano de vida selvagem, no Texas Parks and Wildlife, em Dallas. “Podemos ver a tecnologia como a coisa má que impede as pessoas de estarem ao ar livre, e podemos ter medo disso, ou podemos integrá-la e usá-la como um gancho ou uma ferramenta para nos ajudar a nos conectar com a natureza.”

Esse gancho funciona de duas maneiras, disse Loarie, detentora de um Ph.D. em Ciência Ambiental que lidera o desenvolvimento organizacional do iNaturalist. Cientistas profissionais usam o site porque lhes dá acesso a um exército inteiro de amadores que investigam a terra e relatam o que encontram, enquanto cientistas cidadãos o usam porque é interessante e gratificante contribuir, de fato, para a pesquisa dos especialistas. O iNaturalist compartilha seus dados com o Global Biodiversity Information Facility, onde milhares de registros foram usados como parte de análises científicas mais amplas. Mais de 60 publicações utilizaram dados do iNaturalist.

“Estamos fazendo ciência que não poderíamos realizar sem envolver as pessoas”, afirmou Loarie, “e estamos engajando as pessoas, informando que estão fazendo coisas reais, ajudando cientistas.”

É isso que atrai Christine Phelan, uma animadora de videogames em Bellevue, Washington, que passa seu tempo livre como voluntária em grupos de conservação. Ela foi apresentada ao iNaturalist como parte de um projeto que estuda lesmas, caracóis e milípedes no Parque Nacional de Mount Rainier, há alguns anos, e o usa desde então para ajudar o Zoológico Woodland de Seattle a monitorar anfíbios na cidade.

“Adoro pensar em como alguém vai ficar superfeliz com o que acabei de encontrar e fotografar, e posso melhorar o dia deles”, contou Phelan. “Estou contribuindo para algo maior do que eu e é isso que me mantém usando esse aplicativo.”

Christine Phelan usa o app iNaturalist para documentar a biodiversidade no Myrtle Edwards Park em Seattle. (Foto: Scott Eklund/Red Box Pictures)

O envolvimento com amadores é extremamente necessário para coletar dados brutos suficientes de modo a tirar conclusões significativas sobre o meio ambiente, mas os cientistas também precisam de novas ferramentas para ajudar a processar esses dados mais rapidamente e torná-los mais valiosos para suas pesquisas. O tempo é curto, as necessidades são altas, os recursos são poucos, e a tecnologia é a única coisa que pode ajudar com tudo isso, disse Lucas Joppa, principal cientista ambiental da Microsoft.

Joppa criou e coliderou o programa AI for Earth da Microsoft, que iniciou uma parceria com o iNaturalist no ano passado para ajudar a impulsionar o poder da conexão humana usando a nuvem, Inteligência Artificial (IA) e visão computacional. Os cientistas estão treinando um algoritmo de IA para ajudá-los a identificar com mais rapidez e precisão as espécies nas imagens que são carregadas, diminuindo a barreira do conhecimento e permitindo que a comunidade cresça mais rápido e contribua mais. O programa também está copatrocinando o iNat Competition 2018, que desafia os cientistas de dados a criar o modelo de visão computacional mais preciso para a identificação de oito mil espécies.

Os esforços de visão computacional do iNaturalist ajudam os usuários a satisfazer sua curiosidade com sugestões de identificação imediata e sem necessidade de esperar os especialistas. (Foto: Scott Loarie)

“Não há limite para quantos cientistas amadores um algoritmo habilitado para a nuvem pode suportar – poderíamos classificar milhões de exemplos por minuto”, contou Joppa. “Então liberamos esses cientistas para trabalhar nos desafios mais difíceis para os quais ainda não conseguimos treinar um algoritmo, como aprender com essas tendências e onde colocar maiores esforços de conservação para proteger espécies ameaçadas ou gerenciar recursos naturais.”

Dos estimados 10 a 12 milhões de espécies no mundo, os seres humanos descobriram apenas cerca de 1,2 milhão e só avaliaram cerca de 90 mil, afirmou Joppa. Isso deixa uma lacuna em nossa compreensão do papel que cada espécie desempenha em influenciar os recursos naturais nos quais todos confiamos – uma lacuna que os membros do iNaturalist estão ajudando a fechar.

“Nossos usuários registraram mais de um terço das 60 mil espécies de vertebrados e, apesar de ser apenas a ponta do iceberg, é incrível a quantidade de pessoas que são necessárias para produzir uma tonelada de dados”, disse Loarie. “E não estamos apenas coletando dados, mas construindo um grupo de pessoas de base que se preocupam com isso. Temos milhões de fotos de dezenas de milhares de espécies, o que significa que agora temos milhares de pessoas que podem identificar essas espécies.”

Cedric Lee, um naturalista da Califórnia, usa o iNaturalist em sua pesquisa. (Foto cedida por Lee)

Esse é o próximo passo que está se tornando claro à medida que o iNaturalist amadurece, contou Loarie – mobilizando esses milhares para agir em nome das espécies com as quais eles se familiarizaram, para ajudar a proteger o ecossistema do qual todos nós dependemos.

Um exemplo: uma foto improvisada de Cedric Lee, um naturalista da Califórnia, contribuiu para uma petição no ano passado para reconhecer o raro caracol do castanheiro San Gabriel como uma espécie em extinção.

Lee entrou para o iNaturalist em 2013, principalmente como forma de acompanhar suas observações dentro de sua especialidade de plantas. Um dia, quando ele estava fazendo um levantamento, notou um caracol que parecia muito mais plano do que uma variedade comum de jardim, então ele tirou uma foto e a carregou no aplicativo. Em pouco tempo, um malacologista do Museu de História Natural do Condado de Los Angeles identificou-o como um caracol raro que vive apenas nessa área e é uma das duas únicas espécies em seu grupo taxonômico.

Lee se correspondeu com outra cientista no aplicativo e depois a conheceu no museu, onde ela o apresentou a todos os caracóis e lesmas que normalmente se encontrariam na região. Em pouco tempo, Lee foi fisgado. Ele mudou sua pesquisa para invertebrados e agora é considerado um especialista em malacologia, ou o estudo de moluscos. Seus dados foram usados para a petição pendente para o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA, que buscava proteção para o caracol.

“Minhas experiências no iNat abriram minha mente para o que está por aí e me ajudaram a focar na imagem mais ampla da ecologia e como tudo se encaixa”, disse Lee. “Tudo é como um mosaico, e uma espécie não é mais importante que outra, porque todas elas têm um papel a desempenhar. Portanto, precisamos preencher o vazio em nosso conhecimento.”

O iNaturalist está se preparando para receber milhares de novos membros que querem ajudar a preencher esse vazio no final deste mês, quando se juntam ao City Nature Challenge, organizado pelo Museu de História Natural do Condado de Los Angeles e pela Academia de Ciências da Califórnia, em San Francisco.

Agora em seu terceiro ano, o desafio começou como uma competição amistosa entre as cidades-sede do museu e a academia, que abriga o iNaturalist. O interesse cresceu tão rapidamente que este ano 69 cidades, de Tóquio a Roma, competirão para registrar a maioria das observações no aplicativo durante o evento de 27 a 30 de abril.

No ano passado, apenas uma espécie foi encontrada em todas as cidades, desde a tropical Miami até a fria Duluth, Minnesota: pombos. Este ano, os organizadores estão ansiosos para descobrir como uma certa borboleta ameaçada de extinção em Miami, a borboleta de Bartram, se saiu no furacão do ano passado e que espécies únicas cada cidade pode hospedar, como a baleia orca do ano passado, vista de Seattle.

“Parece que estou levando uma equipe científica inteira comigo, virtualmente, a cada caminhada”, disse Lee. “Há duas semanas, enviei uma foto de um besouro e recebi uma mensagem de um pesquisador que procurava esse besouro há 12 anos e ainda não encontrou nenhum espécime vivo. Ele estava em êxtase, e nos encontramos e olhamos juntos e encontramos um. Ele disse que era muito importante para sua pesquisa.”

“Você nunca sabe o que vai encontrar.”

Imagem do alto: Christine Phelan usa o aplicativo iNaturalist em Seattle. (Fotos de Scott Eklund / Red Box Pictures)

Tags: ,

Posts Relacionados