“Temos de resolver o problema”: Como três fintechs estão impulsionando a inclusão financeira na América Latina
*Por Bill Briggs
Quando Mario Hernández chegou ao México pela primeira vez em 2010, conheceu a família de sua esposa, trocou alguns abraços felizes e imediatamente entrou no mundo dos “sem banco”.
Hernández soube que seus sogros mexicanos estavam lutando para obter um empréstimo formal de qualquer banco, para que pudessem participar ativamente da maioria daquele país.
Financeiramente, a família está se saindo melhor. Mas o México, nem tanto: o Banco Mundial estima que 63% dos adultos no país, quase 100 milhões de pessoas, ainda não têm uma conta bancária e dependem exclusivamente das notas escondidas em suas carteiras ou em suas casas para pagar por comida, abrigo, remédios e todos os outros bens necessários. Em toda a América Latina, sete em cada 10 pessoas não têm conta bancária ou são sub-bancarizadas, de acordo com o Latin America Reports, e isso alimentou uma das maiores taxas de desigualdade de renda do mundo.
“Quando vi isso na minha família, foi algo como ‘não é possível, não posso acreditar nisso’”, comenta Hernández, que veio da Espanha para o México, onde liderou uma companhia que atua como banco digital e processadora de pagamentos. Em sua nova terra, Hernández começou a trabalhar para reduzir essas disparidades, lançando a Finvero, uma plataforma que oferece crédito aos consumidores por meio de uma opção de pagamento em sites de comércio eletrônico.
“Decidimos nos tornar um marketplace, para que pudéssemos reunir todos e dizer: ‘Ok, pessoal, temos que resolver o problema. Vai ser um bom negócio para todos – para o credor, para o comerciante, para o comprador’”, cita Hernández. “Temos que enfrentar o problema juntos.”
Hoje, a Finvero, com sede na Cidade do México, e as também nativas digitais N5, fundada em 2017 na Argentina, e ClearSale, fundada em 2001 no Brasil, estão na vanguarda do boom das fintechs na América Latina, e estão transformando os mercados online em toda a região, com o objetivo de guiar milhões de consumidores, antes sem acesso ao sistema bancário, rumo à economia digital.
A Finvero se descreve como o primeiro marketplace de empréstimos ao consumidor no México, conectando comerciantes, credores e consumidores para atender à população carente daquele país. A empresa diz que oferece pontuação alternativa e desembolso de um empréstimo em menos de cinco minutos.
As três empresas se apoiam fortemente em Inteligência Artificial (IA) para tomar decisões em tempo real que ajudam seus clientes. E cada empresa aproveitou as parcerias e tecnologias da Microsoft para ajudar a construir suas infraestruturas, melhorar seus produtos e conquistar novos clientes.
Os serviços prestados pela ClearSale, N5 e Finvero podem preencher coletivamente lacunas de longa data no cenário fiscal da região, diz o especialista em fintechs Benjamin T. Beasley.
Essas vulnerabilidades incluem economias paralelas onde circula apenas dinheiro em espécie, que existem em toda a América Latina, como mercados de trabalho informais, vendedores ambulantes e empresas não registradas que, com o tempo, têm os salários depreciados, geram aumento da pobreza e enfraquecem os governos, de acordo com este post publicado pelo Banco Mundial.
“Certamente, a proteção contra fraudes, evitar o – cada vez mais comum – pesadelo dos sistemas legados e melhorar as opções de pagamento e microcrédito seriam muito úteis para melhorar o setor financeiro da América Latina”, diz Beasley, advogado da área de tecnologia e finanças baseado em Utah, nos EUA, que representa empresas de fintech na América Latina e em outros lugares. Ele viveu por um tempo na América do Sul.
“Parte do motivo pelo qual eu acho as fintechs tão atraentes é que elas têm o potencial de modernizar aspectos-chave das economias e dos sistemas financeiros, o que pode gerar um impacto surpreendentemente enorme”, acrescenta Beasley.
O número de fintechs na América Latina dobrou em três anos, de acordo com o Latin America Reports. Além disso, o valor coletivo de mercado das fintechs da região atingiu US$ 2,1 bilhões, um aumento de mais de 4.000%, desde 2016, segundo o The Fintech Times.
Dois eventos recentes ajudaram a estimular esse boom. No início da pandemia de COVID-19, alguns governos da América Latina, incluindo Colômbia e Honduras, introduziram programas de transferência de dinheiro que distribuíam fundos às pessoas por meio de carteiras digitais ou telefones celulares. Tais iniciativas começaram a acabar com a desconfiança histórica que muitas pessoas na América Latina tinham em relação aos bancos e governos. Durante 2020, cerca de 13 milhões de pessoas na região fizeram suas primeiras transações online, de acordo com o Latin America Reports.
Quase ao mesmo tempo, as conexões de smartphones na América Latina atingiram 500 milhões em 2021, uma taxa de adoção de 74%, de acordo com a GSMA, órgão comercial que representa o setor de redes móveis. Até 2025, espera-se que a região adicione quase 100 milhões de conexões a mais, permitindo que uma faixa ainda maior de pessoas realize suas transações bancárias – ou simplesmente peçam o jantar – sem sair de casa.
Na ClearSale, garantir que esses pedidos de refeições online sejam livres de fraudes requer análise em tempo real, diz Rafael Lourenço, Vice-presidente Executivo e sócio da empresa. A ClearSale combina IA avançada e inteligência humana para garantir que as compras de comércio eletrônico não sejam feitas por golpistas ou hackers. A velocidade é fundamental. A empresa tem escritórios em São Paulo, Miami e Cidade do México.
Uma das clientes da ClearSale é uma empresa de serviço de pedidos e entregas de alimentos online. Quando os consumidores solicitam online uma boa refeição no Brasil, essas transações são frequentemente examinadas e decididas em menos de um segundo pela plataforma de IA da ClearSale, diz Lourenço.
“Ninguém vai esperar 24 horas para comprar seu hambúrguer”, ele comenta.
O elemento humano na plataforma da ClearSale envolve cientistas de dados que alimentam dados históricos nos modelos de IA supervisionados pela empresa, treinando o sistema a investigar padrões de compra para diferenciar entre pedidos fraudulentos e legítimos.
Por exemplo, as transações online feitas às 2 horas da manhã são consideradas mais arriscadas do que as compras online feitas às 7 horas da noite e, geralmente, as compras de smartphones representam mais riscos de fraude do que as compras de colchões, diz Lourenço.
“A lista continua para os milhares e milhares de pontos de dados que coletamos”, cita Lourenço. “Agora, quais pontos de dados devemos incluir no sistema para classificação é a parte feita pela inteligência humana.”
A ClearSale utiliza o Microsoft Azure para armazenar todos esses dados. O Azure também permite que o sistema de detecção de fraudes acompanhe os períodos de compras de alto volume, como a Black Friday, diz Lourenço. E a ClearSale garante a precisão do seu sistema. Se aprovar uma transação que, em última análise, se mostrou ilegítima, a empresa pagará ao comerciante o valor total desse estorno.
Os 10 principais varejistas brasileiros usam a solução da ClearSale, diz a empresa. Embora a ClearSale não tenha nascido na nuvem, ela se tornou totalmente digital por meio de sua parceria com a Microsoft.
Para reforçar a inclusão financeira, a ClearSale treinou sua plataforma de prevenção de fraudes para não negligenciar os consumidores de famílias de baixa renda em países onde faz negócios, incluindo o México e os EUA. Durante a pandemia, mais pessoas se juntaram à economia digital pela primeira vez, algumas trabalhando para sair da pobreza.
“Como estamos tomando decisões com base no roubo de identidade, devemos garantir que nossa plataforma seja baseada na probabilidade de alguém possuir esses dados, e não baseada em marcadores sociais”, diz Lourenço.
“Eu poderia dizer: ‘Bem, essa pessoa mora em uma favela, portanto, eu não vou aprovar o pedido’. E não é isso que fazemos”, diz Lourenço. “Nós nos concentramos na questão que estamos tentando resolver: É essa realmente a pessoa que ela diz ser?”
“Ao mesmo tempo”, adiciona Lourenço, “a ClearSale está expandindo diretamente a inclusão financeira por meio de seu programa ClearTech, que treina funcionários em empregos de nível básico, incluindo centrais de contato, para se tornarem tecnólogos.” O programa é operado em conjunto com a Microsoft.
Na N5, o CEO Julián Colombo está atacando esse mesmo problema crítico, e com a mesma urgência. A empresa possui escritórios em Buenos Aires, Madri, São Paulo e Miami.
Por mais de 30 anos, Colombo ocupou cargos no setor financeiro, inclusive em um dos maiores bancos da Europa. Ele aprendeu em primeira mão a dificuldade inerente de transformar digitalmente qualquer banco para impulsionar o atendimento ao cliente.
“Os bancos querem criar melhores experiências; mas eles simplesmente não conseguem”, diz Colombo. “E eles não podem porque (adicionar) tecnologia para os bancos é como construir um avião enquanto você está voando. Você não pode dizer a um cliente: ‘Não informarei o seu saldo por três meses porque preciso mudar meu software’. Eu senti essa dor olhando de dentro.”
Em 2017, ele deixou o setor bancário para criar um software projetado para um amplo e complexo setor financeiro, com suas restrições únicas, incluindo regulamentações pesadas sobre dados, privacidade extrema e sistemas legados desatualizados. O que surgiu foi a plataforma N5, que se conecta a todos os softwares existentes de maneira simples, permitindo “uma inovação enorme e rápida sem alterar os sistemas legados subjacentes”, diz Colombo.
Na rua, a nova empresa avançou o impulso contínuo para a inclusão financeira: Em lugares onde os bancos simplificam suas transações e expandem o acesso ao crédito, a distribuição de riqueza aumenta e “as pessoas vivem uma vida melhor”, diz Colombo.
Na Argentina, como em muitos países da América Latina, a desconfiança histórica em relação aos bancos e ao sistema financeiro em geral impulsionou o surgimento de “espaços de trabalho e vida não regulares”, diz Colombo. “Precisamos garantir que essas pessoas que trabalham sejam capazes de economizar seu dinheiro suado, tenham acesso a crédito e muitas outras coisas que possam permitir que elas caminhem e se desenvolvam.”
Aproximadamente 7 milhões de clientes da N5, principalmente pessoas que vivem no Brasil, Argentina e México, aderiram à economia digital através das soluções da empresa. Os executivos da N5 esperam que esse número dobre em 2023, particularmente com as novas operações da N5 no Peru, Paraguai e EUA.
“Precisamos garantir que essas pessoas que trabalham sejam capazes de economizar seu dinheiro suado, tenham acesso a crédito e muitas outras coisas que possam permitir que elas caminhem e se desenvolvam.”
Julián Colombo
A N5, assim como a Finvero, também participou do programa Microsoft for Startups Founders Hub, que fornece até US$ 150.000 em créditos gratuitos do Azure e conecta novas empresas com especialistas em negócios, mentores e consultores técnicos. Em 2021, a Microsoft nomeou a N5 “Startup do Ano” na categoria de excelência empresarial para a região da América Latina e Caribe.
“Criar uma empresa de tecnologia nunca é fácil, especialmente quando você foi completamente ‘reinicializado’, como nós fomos”, diz Colombo. “Costumo dizer que a Microsoft foi uma espécie de nosso patrocinador no início, dando o que precisávamos para realmente nos concentrarmos na entrega aos nossos clientes e na melhoria do nosso produto.
“Mais tarde, o relacionamento amadureceu em uma parceria para podermos abordar os clientes e oferecer uma solução holística para suas necessidades.”
Através de sua parceria com a Microsoft, a N5 conquistou mais de 20 clientes nos setores bancário e de seguros.
A Finvero, lançada em 2021, conta com o apoio do Azure para fornecer uma plataforma integrada que ajuda a empresa a fornecer novos recursos para seus negócios de crédito ao consumidor, comenta Hernández.
A Finvero também criou sua infraestrutura no Azure. Isso permitiu uma abordagem de blitzscaling, uma estratégia que prioriza a velocidade para alcançar um crescimento rápido. Durante o primeiro ano completo de operações da Finvero, mais de 150.000 usuários de comércio eletrônico foram pontuados pelo mercado de crédito da empresa. Em 2023, Hernández espera que mais de 3 milhões de pessoas solicitem um empréstimo com a Finvero.
Hoje, a base de clientes da Finvero abrange 520 empresas de varejo, diz a empresa, e uma rede de 30.000 lojas. Todos os meses, a Finvero recebe dezenas de milhares de pedidos de crédito de compradores. Ela usa a IA para pontuar os padrões de compra desses compradores e decidir sobre essas solicitações de crédito em tempo real.
O mercado digital da Finvero está focado, mas não limitado, a compradores carentes na América Latina. O trabalho, diz Hernández, está ajudando a elevar a inclusão financeira, como ele prometeu fazer há 13 anos, quando viu seus sogros tentarem repetidamente garantir um empréstimo de qualquer banco.
“Fazemos o alinhamento entre o melhor banco ou a melhor opção de credor para esse comprador, com os melhores termos e condições para tornar esse empréstimo acessível”, ele cita. “Somos um amigo financeiro dos nossos compradores.”
*Imagem de capa: Da esquerda para a direta, Julián Colombo da N5, Rafael Lourenco da ClearSale e Mario Hernández da Finvero.