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Taylor e Jake, repórteres da KING TV

A narrativa baseada em dados pode auxiliar o jornalismo?

Jake Whittenberg olhou a vasta quantidade de dados em sua planilha do Excel, uma contabilidade bastante sem vida do empolgante mercado varejista, impulsionado agora pela legalização da maconha no estado de Washington.

O repórter e âncora da KING-TV, em Seattle, reuniu uma série de números do governo revelando receitas geradas e impostos cobrados nas vendas estaduais de maconha. Essa engrenagem financeira motivou os parlamentares a se perguntar: Por que não usar o ganho inesperado com a maconha para investir nas escolas públicas?

Mas os dados brutos eram complexos e confusos. Se Whittenberg, jornalista desde 2004, teve de se esforçar para analisá-los, os espectadores também teriam. Então ele colocou as estatísticas no Microsoft Power BI, uma ferramenta de visualização de dados. Finalmente, com os fatos revelados e um equívoco exposto, ele viu qual era a história.

“Descobrimos que é mito que nenhum dinheiro da maconha vai para a educação pública”, diz Whittenberg. “Em 2018, US$ 80 milhões foram para o fundo geral estadual, que ajuda a pagar pela educação. Embora as vendas de maconha no varejo estejam na casa dos bilhões, são ainda uma gota no oceano em comparação com o orçamento geral do Estado.

“Em um mundo onde o ruído branco pode facilmente dominar a paisagem e as notícias, esta é uma oportunidade de dar aos espectadores uma perspectiva baseada em fatos sobre um assunto de um modo inegável. Os números não mentem”, acrescenta ele.

Essas revelações foram obtidas por meio do piloto de jornalismo de dados da KING, um projeto de verão que produziu 13 reportagens transmitidas pela internet, explorando questões que vão desde levantamento de fundos do Congresso até a frequência de incêndios florestais e a população de orcas em Puget Sound.

Uma pequena equipe de jornalistas da KING, incluindo Whittenberg e a repórter de projetos especiais Taylor Mirfendereski, trabalhou por dois meses com o Programa de Jornalismo Moderno da Microsoft e especialistas em Power BI. Eles analisaram montanhas de registros públicos, transformando-os em histórias visualmente ricas contadas com gráficos e animações.

A missão do piloto seguiu um dos princípios mais importantes dos noticiários da TV: desvendar tópicos cruciais, se não complicados, para oferecer histórias fáceis de entender que ajudam os espectadores locais a compreender melhor seu mundo.

Entre a equipe, no entanto, a iniciativa alimentou ambições ainda mais sublimes, como renovar o jornalismo de radiodifusão, rejuvenescer o modelo de negócios dos noticiários da TV e aumentar a confiança do público. Uma pesquisa realizada em agosto pelo Instituto Poynter revelou que 24% dos entrevistados tinham pouca ou nenhuma confiança nos noticiários da TV local, enquanto 45% tinham essa opinião sobre os noticiários da rede de TV.

“Há essa noção de que as notícias falsas estão em toda parte”, diz Whittenberg. “Os dados podem enriquecer e autenticar uma história para garantir que você saiba que a notícia é legítima.”

“Eles estão adotando uma abordagem nova para transmitir histórias”, diz Ben Rudolph, diretor-gerente do Programa de Jornalismo Moderno da Microsoft. Sua equipe treinou a KING sobre como desenvolver visualizações de dados. “Eles não vão apenas contar a história; eles vão mostrar como usaram dados reais para chegar às suas conclusões.”

Taylor Mirfendereski
Taylor Mirfendereski verifica os dados em seu laptop enquanto Jake Whittenberg examina os padrões de tráfego de Seattle no Power BI.

O piloto surgiu de um esforço maior de modernização liderado pela proprietária da KING, a TEGNA, uma empresa de mídia digital e radiodifusão sediada na Virgínia que opera mais de 40 emissoras de TV nos Estados Unidos.

Preocupados em encontrar novos formatos de conteúdo que impulsionem a audiência, os líderes da TEGNA incentivaram as emissoras a buscar projetos de inovação, diz Russ Walker, diretor assistente de notícias da KING. Tanto a afiliada de Seattle quanto a KHOU em Houston foram selecionadas para testar novas formas de produzir e contar histórias baseadas em dados.

“A audiência de TV, por sua própria definição, busca a narrativa visual”, diz Walker. “Acreditamos que o uso de gráficos e técnicas tradicionais orientadas por repórteres para explorar dados pode gerar audiência em todas as plataformas, especialmente na digital.

“O desafio é desenvolver uma mentalidade voltada aos dados entre os jornalistas da KING e, mais importante, desenvolver maneiras eficientes de ter reportagens de dados no ar”, acrescenta Walker.

Alimentar uma cultura de redação que rotineiramente bombeia solicitações de registros públicos para projetos de mineração de dados é fundamental para a filosofia jornalística de Mirfendereski. Suas histórias, detalhadas e analíticas, aparecem no site da KING e no ar.

Ela produziu um artigo em setembro relatando que a maioria das escolas de Washington não consegue atingir as metas estaduais de vacinação de estudantes. Para a reportagem, ela reuniu os dados de saúde do Estado, analisou e criou representações visuais desses números com a ajuda do Power BI e de especialistas da Revel Consulting, um parceiro da Microsoft.

“Os dados impulsionaram os relatórios, e o Power BI me mostrou o que a história era – e o que não era”, diz Mirfendereski.

Inicialmente, a equipe da KING esperava identificar taxas variáveis de imunização entre diferentes grupos demográficos, como pessoas ou famílias que ganham mais ou menos dinheiro do que a média. Aconteceu que esse ângulo não existia. Em vez disso, Mirfendereski descobriu os lapsos da taxa de imunização em certas escolas – espaços vazios que podem fazer com que mais crianças adoeçam no caso de um surto.

“Ter consciência de como usar dados em histórias fará jornalistas melhores”, diz Mirfendereski. “Você pode encontrar um número interessante em uma planilha gigante que pode ser uma história importante. Se você não pensa assim, pode se perder na natureza esmagadora de uma planilha.”

Taylor Mirfendereski
Taylor Mirfendereski

“O que estamos fazendo com jornalismo de dados e com Power BI”, diz Whittenberg, “é o que os repórteres investigativos vêm fazendo há anos – agora, só podemos fazer isso muito mais rápido. Isso nos coloca à frente do jogo.”

Além disso, ao postar seus gráficos interativos on-line, a KING oferece aos espectadores a oportunidade de avaliar os dados em seu tempo.

É o tempo em si que parece ser o elemento mais importante. Espremer mais as horas de trabalho e os recursos nunca foi tão necessário no negócio de notícias, diz Rudolph. Há mais notícias para cobrir, mas não há repórteres suficientes para cobri-las.

As estações de TV locais em toda a América têm funcionários e custos reduzidos, enquanto o corte nas assinaturas de TV paga ganha força e os sites de mídia social substituem, para alguns consumidores, canais tradicionais de notícias. Nos jornais dos EUA, nesse meio tempo, o emprego na redação caiu de 74.000 jornalistas em 2006 para 39.000 em 2017, enquanto a economia envelhecida do setor se esforça para evoluir, de acordo com o Pew Research Center.

“Jake e Taylor não são apenas âncoras lendo notícias”, diz Rudolph. “Eles aprenderam novas habilidades que maximizam seu tempo e geram valor para a comunidade e para a empresa. Estão modernizando suas carreiras e as histórias que estão contando.”

Ben Rudolph, da Microsoft
Ben Rudolph, da Microsoft

“Permitir que os espectadores pesquisem os dados também ajuda a fechar a lacuna de confiança nas notícias”, acrescenta Rudolph. “Resolver a questão da confiança é fundamental para aumentar o público e, por sua vez, o crescimento do público ajudará a resolver a diferença de receita.”

Receitas robustas significam mais recursos, o que leva a narrativas mais impactantes, um ciclo virtuoso que pode colocar o setor de notícias de volta a um caminho saudável, acrescenta Rudolph.

A TEGNA agora planeja exibir histórias de dados selecionados produzidas pela KING e a KHOU.

“O feedback do público alvo, aliado às medições de audiência em transmissão local e digital, subsidiará uma discussão mais longa sobre como impulsionar o jornalismo de dados e a visualização de dados nas emissoras em toda a rede TEGNA”, diz Walker.

Na KING, os produtores e editores estão conseguindo mais tempo para os jornalistas trabalharem em histórias de dados, diz Walker. Enquanto isso, a parceria entre KING, Microsoft e Revel Consulting produziu um manual que documenta o processo, fluxos de trabalho e tecnologia para que outros jornalistas possam aprender com o piloto da KING.

“Esse foi um dos nossos objetivos”, diz Whittenberg. “Queríamos encontrar um modelo que pudesse apoiar o tipo de narrativa e o tipo de jornalismo aos quais precisamos voltar.”

Imagem do alto: Taylor Mirfendereski, à esquerda, e Jake Whittenberg na redação da KING em Seattle. (Todas as imagens são cortesia de Ben Rudolph)