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Daniel e Rico conversam com Jonathan Fogg sobre o code Jumper numa sala de aula da New College Worcester.

Com o Code Jumper, especialistas buscam despertar o interesse pela ciência da computação em crianças cegas

Worcester, Reino Unido. É um dia quente no início de junho, e um grupo de estudantes se reúne na sala de aula de TI do New College Worcester para mostrar suas habilidades em programação.

Mas, em vez de tocar telas de tablets ou digitar em laptops, os alunos manuseiam peças de plástico de cores vivas, conectando-as com grossos fios brancos e depois ajustando botões e puxadores. Esses componentes físicos serão usados ​​para criar programas de computador que possam contar histórias, fazer música e até mesmo contar piadas.

Os alunos do New College Worcester são todos cegos ou com baixa visão e fazem parte de um grupo de estudantes do Reino Unido que passaram o ano letivo anterior testando o Projeto Torino, um projeto de pesquisa que levou ao desenvolvimento de um novo produto chamado Code Jumper. É uma linguagem de programação física projetada para incluir crianças com todas variações de alcance de visão.

“O que eu gosto no Projeto Torino é que você pode realmente tocar, fisicamente, o programa”, disse Victoria, 14 anos, aluna da escola, que atende cerca de 80 alunos.

Nesta terça-feira, 22 de janeiro, a Microsoft anunciou planos de transferir a pesquisa e a tecnologia do Code Jumper para a American Printing House for the Blind, uma organização sem fins lucrativos com sede em Louisville, Kentucky, EUA, que cria e distribui produtos e serviços para pessoas cegas ou com baixa visão. Nos próximos cinco anos, a APH planeja oferecer o Code Jumper e o currículo relacionado a estudantes de todo o mundo, tendo como público-alvo alunos de 7 a 11 anos.

Victoria, no centro, mostra o programa que criou com o Code Jumper.
Victoria, no centro, fez parte de um grupo de estudantes do New College Worcester, no Reino Unido, que participaram de um teste beta da tecnologia por trás do Code Jumper. (Foto: Jonathan Banks)

Os líderes da organização sem fins lucrativos dizem que o objetivo não é apenas introduzir as crianças à programação – é também dar a elas as habilidades básicas que podem levar a uma carreira em ciência da computação.

“Esta é uma oportunidade para milhares de pessoas terem empregos significativos e bem remunerados”, disse Larry Skutchan, diretor de tecnologia e pesquisa de produtos da APH.

O impulso para o Code Jumper começou há cerca de quatro anos, quando Cecily Morrison, pesquisadora da Microsoft e cientista da computação, começou a explorar opções tecnológicas para seu filho, Ronan, que nasceu cego. Morrison ficou surpresa ao descobrir que muitas das tecnologias disponíveis para Ronan e outras crianças cegas eram muito mais desajeitadas e desatualizadas do que os smartphones, tablets e outras tecnologias que a maioria das crianças usa atualmente, porque poucas organizações tinham recursos para modernizá-los.

“Muito disso realmente parecia tecnologia do passado”, disse ela.

Além disso, ela descobriu que o caminho usual para a introdução de crianças pequenas na programação, geralmente chamado de programação em bloco, não era muito acessível porque não podia ser lido facilmente com tecnologia assistiva, como um leitor de tela ou uma lupa.

“Ficou muito claro que, para uma criança de 7 ou 8 anos, seria muito difícil usar a tecnologia assistiva para programar”, disse ela. “Percebemos que realmente precisávamos de algo físico, algo para mexer com as mãos.”

Nada disso seria uma surpresa para os alunos do New College Worcester. Enquanto montavam seus programas, alguns relembraram aulas de informática nas quais lhes diziam para fazer digitação por toque – um método de digitação por memória muscular em vez de olhar para o teclado – enquanto as outras crianças usavam programação de bloco para escrever programas básicos de computador. Outros compartilhavam as frustrações de tentar aprender habilidades de programação mais complexas, como Python ou JavaScript, sem a base em sistemas mais simples que muitos outros estudantes estavam conseguindo usar.

Com o Code Jumper, disseram, eles imediatamente puderam experimentar e construir programas.

“Me senti muito independente e gostei disso”, disse Daniel, que aos 11 anos já sabe que quer seguir carreira em ciência da computação. “Isso meio que me inspirou a fazer mais programas.”

Nesse dia, Daniel estava colaborando com outro aluno, Rico. Os temas favoritos do garoto de 12 anos são TI e ciência, e ele disse que em sua escola anterior só fazia digitação por toque. Com o Code Jumper, ele foi capaz de escrever um programa de verdade pela primeira vez.

“Para fazer apenas programação, foi uma experiência divertida”, disse ele.

Enquanto as crianças trabalhavam em seus programas, Jonathan Fogg, chefe de computação e TI da New College Worcester, andava pela sala de aula, ajudando-os com coisas como depuração. Fogg também assistia com evidente prazer quando eles rodavam seus programas. Ele disse que o Projeto Torino era diferente de tudo o que ele foi capaz de fornecer às crianças anteriormente.

“Realmente não há um equivalente a essa forma física de programação”, disse Fogg.

O acesso antecipado a habilidades básicas de programação é importante, disse Fogg, porque muitas crianças cegas ou com baixa visão são atraídas para carreiras em ciência da computação. Ele acha que isso ocorre em parte porque muitas das habilidades que as crianças com baixa visão desenvolvem para navegar pelo mundo as tornam boas no tipo de pensamento computacional que é útil para uma carreira em ciência da computação. E, ele disse, tradicionalmente, tem sido uma carreira que é mais acessível para pessoas cegas ou com baixa visão, por causa de ferramentas como leitores de tela.

Mas bem jovem, ele disse, descobriu que muitas crianças têm medo de começar a brincar com um computador, especialmente se souberem que é uma máquina cara e frágil.

“Se eles não estiverem confiantes, não vão querer usar os computadores porque temem quebrá-los”, disse ele. “Mas quando superam essa barreira, eles têm sucesso. O Project Torino reforça isso – eles não podem quebrá-lo e podem fazer todas essas coisas realmente muito legais.”

Daniel e Rico manuseiam peças do Code Jumper.
Da esquerda para direita, os estudantes Daniel e Rico manuseiam as peças do Code Jumper no New College Worcester. (Foto: Jonathan Banks)

Ímãs, blocos e muita tentativa e erro

Alguns dias depois, Theo estava sentado em uma pequena sala de recursos na escola que frequenta, na Kings College School, também no Reino Unido. Theo, que é cego, faz parte do projeto Code Jumper há anos – na verdade, ele estava em um dos primeiros grupos de estudantes que colaboraram com Morrison e sua equipe para desenvolver o sistema.

“Ajudei-os a escolher que tipo de botões usar”, disse ele, enquanto movia rapidamente as mãos ao longo das brilhantes peças de plástico, montando um programa enquanto conversava sobre as habilidades de ciência da computação que desenvolveu ao longo dos anos.

As brilhantes peças de plástico, mostradores grandes e cordões grossos que os alunos usam hoje estão muito longe das ideias originais que Morrison e seu colaborador, o pesquisador sênior Nicolas Villar, tiveram quando começaram a pensar em uma linguagem de programação física.

A ideia original deles era criar uma linguagem de programação física que imitasse a programação em bloco, completa, com blocos e ímãs reais. Não funcionou. As crianças alinhavam os blocos em fila e não faziam mais nada, ou ficavam frustradas com os ímãs caindo da mesa e se perdendo.

Então, Morrison, Villar e os outros membros da equipe começaram a se reunir regularmente com um pequeno grupo de crianças e ouvir suas ideias. Com base no feedback e nas ideias dos pequenos, eles mudaram para formas de plástico maiores que se encaixam facilmente nas mãos das crianças, e criaram superfícies que elas podiam esfregar ou apertar para reconhecer e interagir com elas.

Com os novos designs, as crianças começaram imediatamente a explorar maneiras de juntar as peças e escrever programas curtos que produzissem sons.

Por meio do trabalho com os jovens colaboradores, Villar disse que começou a ver a tecnologia a partir das perspectivas das crianças. Por exemplo, crianças com alguma visão se beneficiaram de cores brilhantes e contrastantes. Também descobriram que os garotos gostam de trabalhar juntos, guiando as mãos uns dos outros, então eles criaram as peças do tamanho das mãos de duas crianças.

“Eles estavam realmente nos ajudando a inventar”, disse Villar.

Uma vez descoberto o que Morrison chamou de “o modo infantil de se envolver com as coisas”, eles começaram a trabalhar para garantir que o sistema também ensinasse os conceitos básicos de programação, como criar uma sequência e quais etapas você precisa vencer para depurar.

Os pesquisadores também criaram orientações detalhadas que os professores sem experiência em ciência da computação poderiam usar para ajudar as crianças a desenvolver habilidades de programação, já que não poderiam esperar que todas as escolas tivessem um especialista em TI disponível para trabalhar com alunos cegos ou com baixa visão.

Para Villar, o impacto do Code Jumper se estendeu muito além desse projeto.

“Ele abriu meus olhos para diferentes perspectivas, diferentes maneiras de se concentrar ou ver o mundo”, disse ele.

Para Theo, o envolvimento com o Projeto Torino também mudou sua vida. Ele agora está fazendo programações mais complexas, incluindo escrever um jogo de forca em Python – algo que ele diz que não poderia ter feito sem o básico que aprendeu usando Code Jumper. Igualmente importante para ele foi ter feito novos amigos entre outras crianças na escola também interessadas em programar.

“Tem sido muito bom socialmente para nós”, disse Elin, sua mãe.

Theo demonstra um programa que ele criou com o Code Jumper enquanto sua mãe observa.
Theo demonstra um programa que ele criou com o Code Jumper enquanto sua mãe observa. (Foto: Jonathan Banks)

Grandes planos

No final de 2017, Villar voou para o Kentucky para mostrar à direção da American Printing House for the Blind uma demonstração do projeto. Craig Meador, presidente da APH e educador de longa data, disse que foi imediatamente atraído para o quão intuitivo e interessante o sistema seria para as crianças.

“Se você colocar isso em uma sala de aula, não só o aluno cego vai usar, mas todos os outros vão querer mexer”, disse ele. “Da perspectiva de um professor, isso é tudo que você realmente quer, algo inclusivo.”

Skutchan, diretor de tecnologia da APH, disse que o fato de ser imediatamente acessível para crianças sem experiência prévia em computação é importante. No passado, ele disse, as crianças cegas ou com baixa visão que queriam entrar em programação tiveram que aprender primeiro outras habilidades computacionais, como digitar e usar um leitor de tela. Isso dificultou o início com crianças mais novas e potencialmente fechou a porta para um campo que poderia ter fornecido uma carreira para elas.

“Acredito que a programação é um campo equalizador”, disse ele.

Meador e Skutchan têm grandes planos para o Code Jumper, incluindo o desenvolvimento de um currículo, distribuição e outros níveis de suporte. A APH planeja lançar o Code Jumper primeiro nos EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália e depois distribuí-lo pelo mundo.

Eles dizem que é o tipo de sistema com o qual eles sonhavam, mas nunca tiveram recursos para criar.

“Nunca tivemos realmente nada que tenha sido capaz de dar aos alunos tantas maneiras diferentes de experimentar e aprender sobre programação”, ele disse, “e isso se traduz muito bem em habilidades reais.”

Saiba mais sobre o Code Jumper e o Projeto Torino.

Allison Linn é redatora e editora sênior da Microsoft.