Sorrisos iluminam e paredes coram: a arquitetura encontra a IA na Microsoft
Redmond, Washington, e Ithaca, Nova York – Jenny Sabin está empoleirada no alto de um elevador tipo tesoura, a cabeça cutucando uma abertura da estrutura de tecido poroso que ela se esforça para esticar no exoesqueleto de sua instalação, suspensa no átrio arejado do edifício 99 do campus da Microsoft em Redmond, Washington.
Momentaneamente derrotada, ela faz uma pausa e olha para cima.
“Isso vai ser lindo”, diz ela.
“Isso” é um pavilhão brilhante, translúcido e etéreo que Sabin e seus colaboradores da Microsoft descrevem como uma ferramenta de pesquisa e um vislumbre de um futuro no qual arquitetura e inteligência artificial se fundem.
“Que eu saiba, essa instalação é a primeira estrutura arquitetônica movida por inteligência artificial em tempo real”, disse Sabin, designer principal do Jenny Sabin Studio em Ithaca, Nova York, que projetou e construiu o pavilhão como parte do programa Artist in Residence, da Microsoft.
A estrutura de dois andares, feita de nós impressos em 3D, hastes de fibra de vidro e tecido tricotado digitalmente com fios fotoluminescentes, usa a IA para traduzir dados anonimizados sobre expressões faciais, ruído, tons de voz e linguagem em uma dança coreografada de cores e luzes.
Ao usar arte e arquitetura para visualizar informações coletadas por microfones e câmeras colocadas em diferentes pontos do edifício, os designers e pesquisadores da Microsoft esperam estimular a reflexão sobre a IA em nossas vidas por meio da arquitetura interativa.
“Arte, criatividade e humanidade desempenham um papel importante na inovação técnica”, disse Eric Horvitz, diretor da organização de pesquisa da Microsoft e presidente do Comitê Aether da empresa, que se concentra no desenvolvimento responsável e na implantação de tecnologias de IA, incluindo questões relacionadas a usos sensíveis, preconceitos e justiça dos sistemas e interação e colaboração humano-IA.
O programa Artist in Residence, explicou Horvitz, foi criado para convidar artistas a explorar ideias na interseção da arte e da ciência da computação com pesquisadores e engenheiros da Microsoft e, de maneira mais geral, “estimular a criação prazerosa e o pensamento fora da caixa em toda a organização”.
“A criação de Jenny”, ele acrescentou, “é uma incorporação de possibilidades, expectativas e ansiedades sobre as crescentes influências das tecnologias de aprendizado de máquina e reconhecimento de padrões que estão permeando o mundo de maneiras interessantes, bonitas, e ao mesmo tempo potencialmente invasivas e preocupantes.”
‘Uma coisa viva, que respira’
O projeto, chamado Ada, pesa cerca de 816 quilos. O exoesqueleto contém 895 nós personalizados, impressos em 3D, que conectam 1.274 hastes de fibra de vidro em uma rede de hexágonos que formam o pavilhão rígido em forma elipsoide.
“Há muitas partes nisso”, disse Sabin tarde da noite, diante de um prato de comida tailandesa para viagem, durante a instalação manual e minuciosa do projeto, que leva uma semana.
Os tecidos fotoluminescentes digitalmente tricotados em uma rede luminosa de células e cones são aparafusados no exoesqueleto e se estendem para dentro para criar uma parede interior macia, dando a Ada um toque de favo de mel.
Um cone do tamanho de um andar, envolto em malha de nylon e amarrado com cabos de fibra óptica estriados, paira no núcleo de Ada e fornece forças de compressão para manter toda a estrutura em tensão coordenada.
Câmeras e microfones em diferentes pontos do prédio 99 coletam dados anonimizados que os algoritmos de IA traduzem em intensidades variáveis de cor e luz, exibidas por meio de LEDs endereçáveis entrelaçados nos tecidos de Ada e através de luzes de palco que cercam a instalação.
“É uma coisa viva, que respira, e está no coração do edifício. Como isso muda a psicologia das pessoas sobre o espaço em que vivem e como elas afetam esse espaço e vice-versa?”, questionou Asta Roseway, principal designer de pesquisa da iniciativa de inovação urbana no laboratório de pesquisa da Microsoft em Redmond, que comanda o programa Artist in Residence.
Inspiração e ruptura
Roseway, que colançou o programa Artist in Residence em 2015, se acomodou em um sofá no início do ano, no átrio arejado do prédio do 99, que Ada acabaria preenchendo e explicou com um sorriso de orelha a orelha que, quando as pessoas sorriam para Ada, Ada metaforicamente sorriria de volta para eles.
A instalação da Ada ocorre enquanto a próxima onda de IA – inteligência embutida – passa dos laboratórios de pesquisa para os produtos e serviços que as pessoas encontram todos os dias. Isso, por sua vez, está levantando questões e preocupações sobre a integração da IA em nossas vidas.
“Para onde isso vai? Ao que mais isso leva? De qual outra forma isso pode evoluir? Funcionaria para algo como um hospital onde as pessoas precisam se sentir calmas e melhores?”, questionou Roseway.
Projetos anteriores do programa Artist in Residence estimularam reflexões sobre o futuro dos alimentos em um momento em que as capacidades sensoriais aprimoradas permitem que seres humanos e plantas se comuniquem, explorações de tecnologias que abrem artes visuais para pessoas com visão limitada e roupas que respondem às necessidades pessoais de hidratação.
“O programa tem como objetivo inspirar e revolucionar a nós mesmos, nos tirar da bolha e da maneira como pensamos sobre uma certa peça de tecnologia”, disse Mira Lane, diretora de Parceiros da Microsoft focada em ética e na sociedade da IA, que começou a colaborar com Roseway depois de escrever um artigo sobre o valor dos artistas no ambiente corporativo.
Por exemplo, ela disse, designers e engenheiros costumam criar tecnologia com um caso de uso específico de negócio em mente. Quando os artistas são trazidos para o ciclo de desenvolvimento, eles tendem a explorar a tecnologia, quebrá-la e religá-la de novas maneiras que podem abrir os olhos para possíveis impactos, riscos e caminhos para futuras explorações.
Lane e Roseway conheceram Sabin em um evento de arrecadação de fundos para a escola de arte da Universidade de Washington na primavera de 2017. Sabin, que cresceu na área de Seattle e se formou na Universidade de Washington, foi convidada a dar uma palestra sobre seu trabalho inovador com novos materiais e formas inspiradas na natureza que tiram o projeto arquitetônico de ângulos rígidos de 90 graus.
“Havia algo muito refrescante nessa visão”, disse Roseway. “Não seria fabuloso desenvolver uma narrativa em que algumas de nossas futuras habitações pudessem estar muito mais sincronizadas com as formas naturais do mundo e ter inteligência embutida nelas?”
Uma conversa de 18 meses se seguiu sobre como seria um projeto compartilhado com os pesquisadores da Microsoft, disse Sabin. As discussões iniciais se concentraram na criação de um projeto centrado no ser humano que revelaria dados de maneiras novas, abordando os tipos de perguntas sobre preconceito e privacidade que o grupo de Lane sobre ética e sociedade explora.
“Existem muitas estruturas intangíveis e aspectos espaciais dos dados que realmente não podemos ver, sentir ou entender sem que eles atinjam um tipo diferente de interface material”, disse Sabin. “O que é super emocionante para mim é que o próprio projeto, em um nível fundamental, pode facilitar a pesquisa.”
Ensinar computadores a entender melhor as pessoas
Daniel McDuff, pesquisador da Microsoft, trabalha em tecnologias que dão às máquinas a capacidade de perceber com precisão as emoções das pessoas. Isso poderia permitir que um assistente inteligente fizesse coisas como reconhecer quando um paciente ignora os medicamentos e alertar um cuidador.
Computadores que identificam emoções também podem transformar jogos, acessibilidade e arquitetura, observou ele.
Sua plataforma, que move a Ada, capta pistas relacionadas à emoção. Os algoritmos transformam os dados em números que representam gradientes de sentimento de negativo para positivo e de leve a intenso. Ada, por sua vez, apresenta os dados por meio de cores e luzes.
McDuff e seus colegas armazenarão os dados numéricos não identificados – sem vídeo, áudio e texto em conformidade com os requisitos de privacidade da Microsoft – coletados da Ada por três anos. Eles os usarão para estudar questões de pesquisa, como de que forma os padrões climáticos e os eventos atuais afetam nossas expressões faciais, tons de voz e linguagem, e para explorar como os padrões de comportamento mudam ao longo do dia.
“Examinei meus próprios dados”, observou McDuff. “Em média, sorrio duas vezes mais frequentemente de manhã do que à noite. Eu não sabia disso. Parece muito. Espero que este projeto nos conscientize de alguns desses padrões.”
A participação no projeto é opcional, e a equipe de privacidade da Microsoft foi consultada para garantir a divulgação e as proteções apropriadas via anonimização. McDufff disse que os funcionários podem evitar o contato com os sensores, entrando no edifício por portas específicas e usando as amplas cozinhas, salas comuns e espaços de reunião separados do projeto.
À medida que as pessoas optarem pelo projeto – os funcionários do prédio 99 também podem instalar o sistema em seus computadores locais e escolher quando ligar e desligar –, começaremos a entender melhor como impactamos um ao outro, observou McDuff.
“Coletivamente, decidimos como queremos que o prédio seja sentido naquele dia”, disse ele. “Cada um de nós tem controle sobre si mesmo, e temos controle sobre o modo como tratamos e interagimos uns com os outros. Se eu for amigável com todos ao meu redor e encorajá-los a sorrir, terei um impacto maior nessa visualização do que eu sozinho, porque farei com que cada um de seus sensores capte um sorriso.”
Reconhecer as expressões é semelhante a outro trabalho em IA destinado a entender melhor as pessoas, incluindo esforços para compreender as metas e intenções. Por exemplo, a assistente inteligente Cortana reconhece quando pessoas fazem promessas a outras por e-mail e as lembra de seus compromissos.
Para que esses sistemas de IA funcionem bem, precisam entender melhor as pessoas. Os dados coletados de Ada ajudarão McDuff a melhorar seu sistema e, ele espera, iniciar um diálogo sobre o uso apropriado dessas tecnologias.
“Se eu tentar me colocar no lugar de alguém de fora, pode parecer que as empresas de tecnologia estão tentando esconder os dados que medem sobre você”, disse McDuff. “Esta instalação está transmitindo intencionalmente esses dados, e isso levanta questões que as pessoas nem sempre fazem.”
Trabalhar além das fronteiras disciplinares
A curiosidade tem peso para Sabin que, além de administrar um escritório no centro de Ithaca, é professora de arquitetura na Universidade Cornell, onde incentiva seus alunos a adotar uma abordagem diferente do projeto arquitetônico.
“Muitas vezes pensamos no arquiteto desenhando um esboço no guardanapo, o que chamamos de diagrama de parti, e essa se torna a grande ideia do projeto. Enquanto eu estou dizendo, vamos virar de cabeça para baixo e pensar em como essa forma final emerge de um conjunto de relacionamentos”, disse ela enquanto fazia um tour pelo laboratório no porão da escola de arquitetura de Cornell.
As prateleiras do laboratório de Sabin estão alinhadas com protótipos de sua abordagem única, como uma progressão de tijolos porosos e aerados impressos em 3D, resultado de suas colaborações com biólogos e engenheiros que estão levando a uma recriação de paredes. Uma única luva de nylon tricotada com fios fotoluminescentes fica pendurada em uma abertura e sugere sua pesquisa sobre a interação de luz e percepção que se manifesta na Ada.
Impressoras 3D variadas, um cortador a laser, um forno e um braço robótico mais familiares a uma linha de montagem automática revelam o mergulho profundo de Sabin em técnicas de fabricação de ponta que podem transformar como os projetos arquitetônicos tomam forma no mundo. As células e os cones de Ada, por exemplo, são criados com um processo chamado tricô digital 3D.
Além de usar ferramentas de outras disciplinas, Sabin ensina seus alunos a aproveitar e aplicar ideias e métodos de outras áreas científicas. Ela passou 14 anos trabalhando com biólogos celulares, cientistas de materiais e engenheiros mecânicos para inovar materiais e projetos arquitetônicos adaptativos, imersivos e responsivos ao meio ambiente e às pessoas que abrigam.
“Como personalizamos nossos espaços? Como começamos a pensar na arquitetura como fundamentalmente humana e pessoal, além de sustentável, funcional e performativa?”, disse Sabin.
Ada emerge
A cena no Jenny Sabin Studio do outro lado da cidade é mais cerebral, com menos espaço para criadores. Os designers clicam nos modelos digitais de Ada exibidos nas telas dos computadores. As prateleiras de vidro das estantes são pesadas, com estátuas e placas comemorativas. Um artigo de jornal emoldurado sobre Lumen, uma instalação ao ar livre no MoMA PS1 em Queens, Nova York, que balizou o design de Ada, está pendurado atrás da organizada mesa de Sabin.
Sabin e sua equipe realizam o trabalho de design para projetos encomendados e peças de exibição no estúdio.
“Estou fundamentalmente interessada em como a pesquisa afeta a arquitetura, não apenas no ensino e no pensamento, mas como afeta a arquitetura viva”, disse ela.
Em um dia frio de março, no início deste ano, as renderizações digitais quase finais de Ada mostraram como a estrutura preencheria o átrio do edifício 99 e converteria dados em cores e luzes.
Sabin deu nome à instalação em homenagem a Ada Lovelace, uma polímata do século XIX. Em 1843, Lovelace propôs o uso de cartões perfurados para resolver equações matemáticas no Analytical Engine do inventor Charles Babbage, um precursor do computador digital nunca construído. Na época, cartões perfurados eram usados para programar o tear mecanizado de Joseph Jacquard a fim de tecer tecidos complexos, como tapeçarias.
“Ada é frequentemente citada como a primeira programadora de computador”, disse Sabin. Nomear a instalação em sua homenagem é especialmente adequado, acrescentou, porque o projeto traz tecnologias de fabricação como o tricô digital 3D para a visualização de dados que alimentam a IA.
A arquitetura encontra a IA
Por mais de três semanas neste verão, no prédio 99, Sabin, Roseway e suas equipes de pesquisadores, designers e engenheiros conectaram nós e hastes ao exoesqueleto, esticaram o tecido no lugar, amarraram LEDs, montaram as luzes de palco e penduraram o cone de tensão.
Enquanto isso, os sensores de McDuff começaram a coletar dados em espaços públicos em todo o edifício – átrio, cozinhas de escritórios e áreas comuns.
Cada sensor é do tamanho de uma caixa de chaves e composto por uma câmera web e um microfone conectados a uma caixa preta do tamanho de um modem de TV a cabo que envia dados por Wi-Fi para um banco de dados seguro do Azure.
“Se estou reclamando de alguma coisa, com raiva e tudo está dando errado, espero que a instalação detecte como algo negativo, e se eu estiver feliz e o sol brilhar lá fora, ela detectará como positivo”, explicou McDuff.
Horvitz, diretor da organização de pesquisa da Microsoft, observou que suas equipes já estão explorando o valor de aproveitar as tecnologias de IA como parte das operações de construção. Por exemplo, em 2012, sua equipe de IA desenvolveu e integrou ao edifício 99 um sistema que emprega aprendizado de máquina e sensoriamento para solicitar proativamente elevadores com base em observações dos padrões das pessoas que se deslocam pelo edifício. O sistema permanece como parte da vida cotidiana do edifício.
Separadamente, a Schneider Electric, empresa global que trabalha para transformar digitalmente o gerenciamento de energia em residências, edifícios e indústrias, está trabalhando com pesquisadores da Microsoft para testar se a IA pode ajudar a reduzir a pegada de carbono dos sistemas HVAC usados para aquecer e resfriar grandes edifícios.
Além das aplicações de detecção e ação em tempo real, a IA também está começando a desempenhar um papel mais fundamental no design e na engenharia, incluindo métodos que ajudam os arquitetos a explorar possibilidades de design prontas para uso sob as restrições reais de forma, força e utilidade, observou Horvitz.
“Podemos imaginar outros usos”, acrescentou. “Como os ambientes no futuro podem mudar para se tornarem mais propícios à colaboração com base nos participantes, em seus objetivos e necessidades?”
Os algoritmos de Ada foram projetados para converter qualquer fonte de dados em cores e luzes. Por exemplo, os pesquisadores imaginam que a tela inteligente também poderia ser usada para visualizar música, criar vibrações, o número de pessoas em um determinado espaço e outros cenários ainda a serem imaginados.
“Qualquer pessoa aqui”, disse Roseway com um gesto de braço varrendo o prédio 99, “pode conectar um mod e fazer com que a peça responda.”
Por enquanto, a plataforma de detecção de McDuff controla a rede de luz responsiva de Ada. Seu sensor final está conectado à base do cone de tensão, permitindo que as pessoas dentro do pavilhão conduzam Ada. De pé ali, olhando em volta com admiração, sorrisos são fáceis. O objetivo é que Ada responda da mesma maneira.
John Roach escreve sobre pesquisa e inovação da Microsoft. Siga-o no Twitter.
Imagem do topo: Ada, projetada e construída pela artista residente na Microsoft Jenny Sabin, preenche um espaço amplo no prédio 99 no campus da Microsoft em Redmond, Washington. A instalação traduz dados em cores e luzes. (Foto: John Brecher para Microsoft)